(FOLHAPRESS) – Uma lar imponente de traços minimalistas ficou intacta em meio a quarteirões reduzidos a cinzas pelas chamas do incêndio em Pacific Palisades, uma região entre as montanhas e o litoral de Los Angeles.
Construída 15 anos detrás, a residência tem toda sua estrutura feita de madeira, uma tradição centenária nos Estados Unidos que costuma surpreender forasteiros, uma vez que brasileiros e europeus acostumados a construções de blocos, tijolos ou pedras.
Mas a lar sobrevivente é um laboratório de sustentabilidade, concebido por seu proprietário, o arquiteto americano Michael Kovac. Comprometido com tecnologias verdes, ele também investiu em estratégias de proteção contra lume, cônscio de que vive numa dimensão onde incêndios florestais fazem secção da dinâmica ecológica.
“A princípio, a estrutura de madeira não é o transe se for coberta com materiais resilientes”, diz o arquiteto brasílio Thomas Schneider, sócio de Kovac. O escritório da dupla em Los Angeles desenhou diversas casas na região de Pacific Palisades, uma vez que a da atriz Courtney Cox. Ele afirma que unicamente uma, em lanço final de construção, foi destruída pelo lume.
A estrutura de madeira de Kovac possui revestimento de placas de fibrocimento (cimento com fibras), formando uma barreira capaz de resistir ao lume por uma hora. A residência também conta com janelas de vidro duplo, temperado e isolante, além de um telhado com grama.
Talvez a estratégia mais importante foi um sistema retardante de lume chamado Phos-Chek, que Kovac acionou a intervalo quando percebeu, por meio das câmeras de segurança, que o incêndio se aproximava. Sprinklers espalhados pela propriedade jorraram um líquido, o mesmo usado por bombeiros em aeronaves para reduzir a inflamabilidade, mas sem a cor vermelha. O sistema custa murado de US$ 17 milénio (R$ 106 milénio).
Ainda que a residência de Kovac não seja a regra, as normas de construção em regiões de habitats selvagens são rígidas e exigem revestimentos nas estruturas de madeira, uma vez que o stucco, uma mistura de cimento, areia e chuva, também eficiente contra lume.
Porém, o lume em Los Angeles foi muito além dessas áreas e muito mais poderoso do que qualquer norma previa. Impulsionado por ventos intensos e farta vegetação seca, os incêndios deixaram as colinas e destruíram casas nos sopés e também nas áreas planas longe das matas.
BARATO, RÁPIDO E FLEXÍVEL
Quase 90% das casas levantadas nos EUA em 2019 possuem estrutura de madeira, de convenção com a Associação Vernáculo de Construtores de Moradias. Dispêndio, rapidez, tradição e terremotos são os fatores que levam os californianos a continuar no ciclo da madeira, mesmo com incêndios cada vez mais fortes e frequentes.
Concreto e alvenaria são excelentes contra o lume, e as chaminés de tijolos que ficaram de pé nas casas devastadas provam o ponto. Devido aos terremotos, porém, esses materiais trazem mais restrições na construção. Já a madeira é indicada por sua flexibilidade e leveza.
Los Angeles descansa na borda de duas grandes placas tectônicas, e previsões alertam para um tremor avassalador nos próximos 30 anos. “Você vai precisar de muito mais reforço de aço e muito mais concreto. E a mistura de cimento precisa ser de subida resistência, mais face que a normal, mormente em residências”, explica Kyle Tourjé, vice-presidente executivo da Alpha Structural, perito em engenharia e restauração estruturais.
Tourjé explica que, para fazer uma lar de concreto, é necessário gerar formas de madeira para evacuar o cimento, uma atividade que já exige mais mão de obra. “E é a mesma madeira usada para fazer uma lar. Portanto as pessoas se perguntam: ‘por que já não faz a lar com elas?’ Essa é a lógica. Mesmo com o aumento do preço da madeira nos últimos anos, ainda é mais barato e rápido erigir com madeira.”
O perito diz não descobrir razoável proibir estruturas de madeira, sob o argumento de que isso elevaria demais o dispêndio para pessoas sem poder aquisitivo. Mas defende mais restrições no revestimento das casas e nas aberturas de ventilação. “Uma das maiores fontes de incêndios são as brasas carregadas pelo vento, sugadas para dentro dos sótãos por essas aberturas. Elas incendeiam o sótão, o telhado se vai, e a lar inteira queima.”
A madeira virou padrão nos EUA com a industrialização da construção em meados do século 19. O professor de arquitetura Michael Osman, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), lembra que diversos experimentos foram feitos no pós-guerra, e a cidade virou um playground arquitetônico. O parelha Charles e Ray Eames, por exemplo, construiu sua Eames House de vidro e aço em 1949, em Pacific Palisades, uma vez que secção de um programa para modernizar o estilo de vida americano. A propriedade escapou da rota dos incêndios das últimas semanas.
Nem tudo é, porém, uma questão arquitetônica residencial. Antigos postes de força, feitos de madeira carcomida, estão espalhados por toda a cidade. Falhas nesses postes, muitos dos quais atravessam as montanhas, foram a desculpa de incêndios na região entre 2017 e 2018, destruindo mais de 2.500 estruturas. No setentrião do estado, um incêndio que deixou 85 mortos em 2018 também começou com faíscas numa traço de transmissão num cânion.
A reconstrução em Pacific Palisades e Altadena vai levar tempo. Perto de habitats selvagens, os alvarás necessários demoram entre cinco e dez anos para transpor, mas o governo promete correr a burocracia para quem perdeu a lar.
Para o professor Osman, essas áreas de montanhas deveriam ser deixadas em silêncio. “A cidade deveria gerar uma fronteira de lume entre a floresta e a cidade. E deixar a floresta voltar a ser selvagem”, diz. “É uma opinião radical que não será ouvida. E eles têm o recta de viver lá pois o governo tornou isso verosímil, ainda que contra o bom tino das seguradoras.”
O estúdio do arquiteto Thomas Schneider já recebeu mais de 20 ligações de interessados em reconstruir em Pacific Palisades. Para seu colega Michael Kovac, isso não será necessário, embora ele ainda não possa voltar para lar. A região precisa ser limpa de componentes tóxicos, e a rua está sem encanamento e luz. Kovac está no momento morando de aluguel.
“Imagina voltar para morar no meio de um bairro desses, sozinho”, diz Schneider. “Antes era uma encosta com árvores verdes, vizinhos, passarinhos. Agora, parece Hiroshima. É uma situação dramática.”
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