BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As discussões sobre o Orçamento fizeram o governo Jair Bolsonaro (sem partido) passar a marca de 110 dias desde o começo de 2021 sem a sanção do texto. Isso corresponde a um recorde nos últimos 15 anos.
A demora na sanção do Orçamento afetou o lançamento de medidas ligadas ao combate à Covid-19 neste ano e também tem limitado a execução de despesas do governo, que tem precisado pensar em diferentes saídas legais para liberar recursos.
A espera pela sanção em 2021 ultrapassou a observada em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff (PT). A petista assinou o texto em 20 de abril daquele ano.
Dilma registrava naquele exercício o segundo ano seguido de déficit nas contas públicas. Em meio ao aperto, governo e Congresso discutiam a destinação de recursos a itens como emendas parlamentares e fundo partidário.
Apesar disso, Bolsonaro não passou o atraso registrado em 2006, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista só assinou o texto em 16 de maio daquele, o que ainda corresponde à maior demora desde então.
Também houve sanções com atraso durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O recorde é de Itamar Franco, em 1994, quando foi implementado o Plano Real. A nova moeda foi lançada em julho daquele ano, e a peça orçamentária só foi publicada em novembro.
Bolsonaro ainda não efetuou a sanção por atrasos na discussão orçamentária com o Parlamento desde o ano passado e porque há problemas no texto gerados por responsabilidade tanto do governo –que deixou de considerar a inflação atualizada para calcular despesas obrigatórias, que acabaram subestimadas– como do Congresso, que aceitou os números recebidos e ainda fez outros cortes em itens compulsórios com objetivo de abrigar emendas parlamentares.
O texto prevê inclusive a mesma pedalada que derrubou Dilma. Agora, Bolsonaro precisa vetar ao menos parcialmente emendas parlamentares do texto para não correr o risco de ser acusado de crime de responsabilidade contra a lei orçamentária.
Para não desagradar o Congresso, que não abre mão de seus recursos, a estratégia demandou a costura de um acordo com os parlamentares -o que prolongou ainda mais as discussões.
A proposta foi aprovada pelo Congresso em 25 de março. O presidente tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar o texto após recebê-lo formalmente, o que se encerra nesta quinta-feira (22). Se não assinar, o Orçamento passa a vigorar automaticamente -o silêncio é considerado sanção.
O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021, disse nesta terça-feira (20) após reunião no Palácio do Planalto que a sanção ficará para o último dia. Ele também aproveitou para criticar parte do governo por comentários feitos sobre a atuação do Congresso no processo.
“Me incomodou muito naquele primeiro momento ficar ouvindo repetidas vezes que setores do governo estariam surpresos com aquela conta e também surpresos de onde foi cortado”, disse Bittar.
Embora a legislação tenha aberto brechas ao longo dos anos para liberar despesas mesmo sem a sanção do Orçamento, parte relevante das verbas fica sob uma trava.
A IFI (Instituição Fiscal Independente, braço do Senado que monitora as contas públicas) lembra que neste ano estavam condicionados R$ 450 bilhões que estouravam a chamada da regra de ouro das contas públicas. O valor começaria a ter a execução impedida a partir de março.
Nesse caso, a abertura dos créditos só poderia acontecer após a publicação do Orçamento.
A regra de ouro determina que a dívida não pode superar a despesa de capital –basicamente, os investimentos. Como o governo não consegue cumprir essa norma há três anos, precisa receber aval do Congresso para se endividar e direcionar tais recursos a despesas correntes, como salários e aposentadorias.
Com a trava, ficaram em risco pagamentos como salários do Executivo, precatórios (dívidas públicas reconhecidas pela Justiça), aposentadorias, pensões e serviços considerados essenciais como a operação de carros-pipa no Nordeste.
O governo precisou recorrer a diferentes saídas legais. Uma delas foi um projeto enviado ao Congresso para trocar a forma de financiamento de parte das despesas para que elas fossem bancadas com superávits financeiros de anos anteriores.
“Neste ano, foi necessário aprovar um projeto de lei que permitiu trocar fontes orçamentárias para viabilizar a execução provisória de gastos correntes essenciais cujas fontes eram a emissão de dívida”, afirmou a IFI em relatório.
O governo também precisou emitir créditos extraordinários para não interromper a operação de carros-pipa enquanto o Orçamento não era aprovado.
Além disso, a demora da peça atrasou a liberação de medidas para combater a pandemia do novo coronavírus e seus efeitos.
Isso porque, entre os problemas relatados, havia insegurança na equipe econômica quanto a criar créditos extraordinários, que são autorizados somente em casos imprevisíveis, sem um Orçamento sancionado, o que, em tese, poderia abrir caminho para acomodar medidas dentre as despesas tradicionais.
A preocupação foi descrita há algumas semanas por Bruno Bianco, secretário especial de Previdência e Trabalho, ao ser questionado sobre os motivos de o programa de emprego ainda não ter sido lançado.
“Ainda que lancemos mão de crédito extraordinário, existe a preocupação de que não teremos a segurança necessária. Porque você poderia ter o espaço para fazer dentro do Orçamento. Se não temos o Orçamento, isso cria uma insegurança”, disse Bianco há menos de duas semanas.
Nesta terça, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que essa e outras medidas adotadas também em 2020 para combater os efeitos da pandemia, como o reforço no crédito, virão após a sanção do Orçamento.
“Agora vêm as novas camadas de proteção. O auxílio emergencial já foi disparado e, com a aprovação do Orçamento, vêm os outros programas bem-sucedidos do ano passado”, disse.
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