Mineração da Braskem causa demolição de quase 10 mil imóveis e moradores lamentam

MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) – Hélder Quirino, 50, demorou três anos para perfurar os álbuns que guardavam as fotos de sua lar no bairro do Pinho, em Maceió. Com mais de 700 m², a residência é um dos 9.796 imóveis já demolidos na capital de Alagoas em decorrência do soçobro do solo causado pela mineração da Braskem.

 

No totalidade, 14.576 estabelecimentos residenciais ou comerciais foram condenados, com cinco bairros atingidos e mais de 40 milénio pessoas realocadas.

“Hoje, a gente vive só da presente. Tive um cancro e me curei dentro dessa lar que era o meu projeto de vida, meu sonho de petiz. Construí para viver esse sonho e nunca imaginei que fosse perdê-la desse jeito”, contou Quirino à Folha.

O apartamento de três quatros e varanda em que ele reside é aquém da lar que recebia mais de século pessoas em épocas de sarau, com piscina e churrasqueira, e na qual cuidava de sete cachorros de grande porte. Teve de se desfazer de tudo, exceto o maquinário que utiliza para fazer peças artesanais.

“Acho que o que mais me dói é nesta idade de Natal. Colocamos uma árvore, algumas lembrancinhas, para não passar em branco, mas não tem sarau e nem cintilação. Rever essas fotos é sentir a tristeza de reconhecer que nunca mais vou viver na lar dos meus sonhos”, lamentou.

Quirino, professor de espanhol reformado por desculpa das intercorrências do cancro, afirmou ter sido o responsável por todo o projeto da lar. A piscina, em formato de B, era uma homenagem à sua filha Blanca.

“Quando tivemos de trespassar, ela me perguntou: ‘Pai, e uma vez que fica o meu presente?’ E eu tive de expressar a ela que ele precisaria permanecer. Outra vez, passamos pela nossa rua e vimos que não restava zero da lar. Olhei pelo retrovisor e vi que ela estava chorando, e isso acabou comigo”.

Somente no bairro do Pinho, onde surgiram os primeiros tremores de terreno em 2018, foram demolidos 4.272 imóveis. Em Bebedouro, 2.035; no Bom Parto, 1.992; no Mutange, 1.057; e no Farol, 440.

Priscilla Barros, uma das pessoas retiradas de lar há pouco mais de um ano por desculpa do risco de colapso de uma das minas de exploração, nem sequer teve forças para voltar ao idoso imóvel. “Desenvolvi um transtorno de impaciência com tudo isso. Foram cinco anos lutando. Não sou mais a mesma pessoa. Espero que daqui um tempo eu consiga voltar a ser a mulher possante que eu era.”

Segundo a Resguardo Social de Maceió, as demolições preventivas são realizadas em toda a espaço afetada pelo soçobro do solo, em imóveis que apresentam rachaduras que põem em risco a integridade estrutural. O processo é contínuo, mediante vistorias que identificam os riscos e, em seguida, já é iniciado o processo de demolição.

“Quando nossa equipe identifica patologias que possam levar a um colapso da identificação, essa demolição é feita de forma preventiva, para mitigar riscos”, afirmou o coordenador da Resguardo Social de Maceió, Abelardo Transcendente.

A reportagem acompanhou secção da demolição do prédio Albarello, que necessita de maquinário específico devido ao risco de colapso. Os prédios em universal, por exemplo, não podem ser implodidos. O processo começa dos andares mais altos até chegar ao solo e leva semanas.

A advogada Andréa Karla Cardoso Amaral, personagem de reportagem da Folha sobre a pressão exercida pela Braskem em fechar acordos com os moradores considerados “resistentes”, soube da demolição de sua residência ao ser questionada sobre uma vez que estava sua situação.

No termo de novembro, ela recebeu email de uma terceirizada da petroquímica para que retirasse os pertences do imóvel, embora afirme que um processo judicial impedia a demolição -a derrubada aconteceu em 5 de dezembro e Andréa soube uma semana depois.

“Houve um repositório judicial sem recebimento. Inclusive, o valor do repositório está impugnado por uma planilha irregular juntada pela empresa. Não se sabe quando isso será resolvido, porque o processo está no Recife, podendo ainda ir para Brasília, e essa é a veras. Não fiz congraçamento, não recebi indenização, portanto a Braskem não é dona da minha lar. Eu sou a dona”, afirmou a advogada.

A Resguardo Social de Maceió disse que a solicitação da demolição emergencial da residência de Andréa aconteceu porque ela apresentava patologias e por segurança, uma vez que estava próxima do relâmpago de influência da demolição do prédio Albarello. O órgão salientou que as demolições são secção das ações realizadas dentro da espaço 00 (de realocação) do Planta de Linhas de Ações Prioritárias (versão 5).

A Braskem afirmou que a demolição emergencial de imóveis com danos estruturais é determinada pela Resguardo Social de Maceió.

“O imóvel em questão foi periciado judicialmente, o valor determinado pelo perito teve a concordância de todas as partes, foi homologado pelo Pensamento e está depositado nos autos do processo. A demolição determinada pelo órgão não afeta o processo judicial em curso, em que outras questões estão sendo discutidas, não o valor do imóvel”, declarou a petroquímica, em nota.

A empresa também ressaltou que, sobre a retirada de itens pessoais, foi oferecido o serviço de guarda-volumes do PCF (Programa de Ressarcimento Financeira e Pedestal à Realocação) e que foi preservado o recta de entrada ao imóvel, desde que autorizado pela Resguardo Social.

O MPF (Ministério Público Federalista) e o Ministério Público do Estado de Alagoas expediram recomendação conjunta à Resguardo Social de Maceió e à Braskem para que haja maior controle e transparência na realização de demolições emergenciais nas áreas atingidas pelo soçobro. No texto, é pedido que seja apresentado parecer técnico sobre a espaço de risco, que deve ser submetido ao “prévio e expresso aval dos Ministérios Públicos”.

“O documento deve incluir a relação das ruas afetadas, a quantidade de imóveis envolvidos e a delimitação do perímetro em planta”, diz a nota. Para a Braskem, além dessa recomendação, é necessário que sejam repassadas informações sobre imóveis que devem ser preservados ou cuja indenização ainda esteja em discussão judicial ou extrajudicial.