ISADORA LAVIOLA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao longo da última semana, o TikTok instalou uma livraria em meio à avenida Paulista, no prédio do Conjunto Vernáculo. O mesmo endereço onde funcionava a tradicional Livraria Cultura foi palco de uma ação da plataforma de entretenimento dedicada a partilhar 100 milénio livros gratuitamente.
Da quarta passada (11) até esta terça, bastava a pessoa chegar, apresentar um CPF e escolher até cinco livros. Mas a tarefa foi se mostrando mais árdua ao longo dos dias: tinha gente chegando ainda de madrugada na Livraria dos Mais Assistidos no TikTok e enfrentando mais de dez horas de fileira para passar cinco minutos dentro da loja.
Victor e Maria Victória, de 17 anos, foram na quinta (12) às oito da manhã, duas horas antes de a livraria terebrar, e ao meio-dia desistiram de continuar esperando, depois de presenciar problemas.
“Cá estava uma confusão. Ainda não tinha grades organizando, aí as filas se juntaram e muita gente começou a trinchar a fileira. Deu pugna”, conta o jovem. Apesar disso, eles voltaram nesta segunda (16) e conseguiram prometer os títulos que queriam, chegando às sete da manhã.
“O movimento que presenciamos durante esses dias mostrou o quanto o brasiliano patroa ler e porquê o TikTok se tornou um ponto de conexão para a comunidade literária”, afirma Carol Baracat, diretora global de marketing do aplicativo. “Por isso, desde a fenda da livraria, realizamos ajustes em nosso atendimento para oferecer uma experiência cada vez melhor ao público.”
Além de avultar grades para separar as filas, a livraria improvisada passou a terebrar as portas duas horas mais cedo depois de observar que já havia aglomeração no horário de fenda.
Maria Fernanda, 20, de Jaguaré, dormiu na mansão de uma amiga para conseguir chegar às cinco da manhã de segunda-feira, na fileira que já ocupava a passeio do prédio. Ela esperou por oito horas para conseguir entrar na livraria e afirma que “se o pessoal está disposto a passar o perrengue, compensa”.
Ela prefere ler livros online pela praticidade, mas gosta de ter versões físicas para colecionar. “Eu geralmente compro livros na internet ou em eventos porquê a Bienal e a Feira do Livro da USP, onde os valores são muito acessíveis”, conta a estudante. “Esses eventos têm a mesma quantidade de pessoas que estão cá, só que andando”.
Enquanto o TikTok move multidões oferecendo livros gratuitos, “livrarias no Brasil vivem na UTI”, afirma Johanna Stein, dona da Gato sem Rabo, livraria independente paulistana dedicada a obras assinadas por mulheres. Para ela, a ação da plataforma foi incoerente e injusta com as livrarias.
“O que constatamos em conversas entre livreiros é que se esses 100 milénio livros tivessem sido comprados de livrarias independentes, uma ação porquê essa poderia ter contribuído de maneira relevante para que nossos espaços continuem existindo”, aponta Stein.
Para realizar a ação, o TikTok diz ter comprado os 100 milénio exemplares direto das editoras. Para Stein, a ação é positiva por incentivar o público a ler, mas “faltou o desvelo com os espaços que estão na ponta mais frágil da ergástulo do livro e resistindo duramente ao ritmo alienante do nosso tempo”.
Já Rui Campos, proprietário da Livraria da Travessa e um dos diretores da Associação Vernáculo de Livrarias, vê a ação do TikTok porquê uma “ação oportunista e predatória” e “uma agressão ao ecossistema do livro”.
“O TikTok conquistou um espaço prestigiando e sendo prestigiado pelo público leitor, mas as livrarias são o grande lugar de encontro entre livros e leitores. Essa ação drena a remuneração fundamental de que eles precisam”, aponta o livreiro.
Segundo Campos, um dos problemas da ação promovida pelo TikTok é a falta de bibliodiversidade. Enquanto uma unidade da Travessa disponibiliza murado de 50 milénio livros, a livraria do TikTok “é temporária, insustentável e limitada a 30 títulos”, descreve ele.
O TikTok não quis comentar reações adversas à ação nem soube prezar quantos exemplares tinham sido distribuídos até a tarde desta terça (17), último dia da loja. Informou exclusivamente que alguns títulos porquê “Ainda Estou Cá”, de Marcelo Rubens Paiva, já tinham se esgotado.
Leia Também: Gravadora de Adele tenta recurso contra suspensão de música acusada de plágio