SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A divulgação da lista de 122 indicados ao conselho que irá compor a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) gerou preocupação sobre conflitos de interesse no processo de escolha dos nomes que irão monitorar o órgão, ligado à Casa Civil e cujos diretores foram nomeados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Seis grupos puderam indicar representantes setoriais para participar do conselho, que é voluntário e tem as funções de monitorar a atuação da diretoria da ANPD, discutir diretrizes para a política nacional de proteção dados, criar relatórios e disseminar conhecimento sobre o assunto, cuja legislação é recente no país.
José Ziebarth, diretor de política de privacidade do Facebook, foi indicado pelo Enap (Escola Nacional de Administração Pública), que é ligada ao Ministério da Economia, como noticiou o The Intercept.
Já a advogada Patrícia Peck, reconhecida na área de proteção de dados e privacidade, foi indicada por três setores: privado, de instituições científicas e laboral, ou seja, escolhida tanto pelo setor patronal quanto por trabalhadores.
Outros nomes enquadrados como “sociedade civil” trabalham em renomados escritórios de advocacia ou representam associações privadas.
Há, também, entidades cuja finalidade não é a proteção de dados, mas, por lidarem com dados pessoais, elegeram seus profissionais da área, como a Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) –que recentemente ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal pela liberação de celebrações religiosas na pandemia- e a Associação Beneficiente e Assistencial Fraternidade.
Ziebarth, do Facebook, solicitou que o Enap retirasse seu nome do processo seletivo.
“A indicação de José Ziebarth para o Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade foi feita pela Escola Nacional de Administração Pública, e não pelo Facebook”, afirmou a rede social.
Dona da rede social, do WhatsApp e do Instagram, a companhia americana já tem ações a serem analisadas pela ANPD. O órgão e o Ministério da Justiça devem se pronunciar sobre a mudança na política de privacidade do WhatsApp, considerada lesiva por entidades de defesa do consumidor. A partir de 15 de maio, usuários que não concordarem com os termos de uso não poderão mais usar o aplicativo.
A advogada Patrícia Peck afirma que a Lei Geral de Proteção de Dados é uma regulamentação sofisticada, atual e ampla e que “é fundamental ter uma visão técnica e extensiva do assunto, que permita entender as peculiaridades e particularidades de aplicação e prática em cada segmento”.
“Receber a indicação em três editais e de diferentes setores representa justamente esta realidade, esta necessidade de ter uma representatividade que assuma a complementaridade como uma função primordial. Por isso não vejo conflito algum, ao contrário, vejo solução”, disse à Folha.
Embora haja crítica sobre os potenciais conflitos de interesse nas indicações, bem como a falta de clareza sobre a qual setor responde determinado profissional, a legislação e a ANPD também são vistas como confusas nesse processo.
“A ANPD desvia do que foi construído historicamernte em termos de participação multissetorial porque se despreocupou com o tema conflito de interesse”, diz Diego Canabarro, especialista em governança multissetorial da internet e pesquisador da UFRGS.
Para ele, um modelo adequado seguiria as normas como as do Comitê Gestor da Internet, em que o candidato define qual setor irá postular, além de apresentar um plano de ações e atividades que vai priorizar dentro do conselho. “Virou um bureau de atuação profissional livre”, afirma.
Na candidatura ao conselho da ANPD, só é preciso demonstrar vínculo com proteção de dados. “Não vejo problema um profissional privado entrar como pesquisador, desde que a sociedade tenha meios para cobrar coerência dentro de sua atuação”, complementa Canabarro.
É comum encontrar especialistas de privacidade e proteção de dados que atuam em diferentes áreas ao mesmo tempo, como na academia, na articulação de pautas com o Congresso, em organizações da sociedade civil e em escritórios de advocacia ou grandes companhias.
“Houve muitos questionamentos da sociedade sobre indicações, mas parte disso decorre da forma que a lei foi construída, sem tantas balizas para a definição de regulamentação dessas regras. O decreto que criou ANPD acabou seguindo mesma subjetividade”, diz Fabrício Mota, um dos conselheiros indicados pelo Senado.
Um dos pontos que não é claro, por exemplo, é a falta de definição sobre a vaga pertencer a entidade ou ao conselheiro.
Dos 122 indicados, serão escolhidos 26 nomes. Além disso, há outras 20 indicações de Senado, Câmara dos Deputados, Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça, Comitê Gestor da Internet, Ministério da Economia, Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério da Tecnologia e Gabinete de Segurança Institucional.
Com os cinco diretores escolhidos por Bolsonaro, sendo três deles militares, a autoridade ficará com 51 membros. A ANPD vai enviar listas tríplices ao presidente, que irá escolher os 26 nomes.
Procurada, a ANPD não se manifestou.
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