(FOLHAPRESS) – Consumidores do Carrefour em São Paulo relatam os primeiros reflexos do boicote promovido por frigoríficos brasileiros contra a varejista. Entre 60 clientes entrevistados em três unidades da rede nesta segunda-feira (25), 34 afirmaram já sentir falta de produtos específicos nas prateleiras.
O boicote começou na semana passada, depois o Carrefour na França anunciar que deixará de comercializar mesocarpo originária do Mercosul, conjunto econômico que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e que negocia há décadas um pacto mercantil com a União Europeia.
Até o momento, 23 frigoríficos brasileiros aderiram à suspensão do fornecimento, incluindo gigantes uma vez que JBS, Marfrig e Masterboi. Segundo fontes do setor, o desabastecimento já afeta mais de 150 lojas do Carrefour no Brasil.
Em nota, o Carrefour Brasil lamentou a situação e reafirmou sua relação com o agronegócio vernáculo. “Infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de mesocarpo impacta nossos clientes, mormente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade”, afirmou a empresa.
A rede também diz que já está trabalhando para mitigar os impactos do boicote. “Entendemos a prestígio deste setor para a economia e para a sociedade uma vez que um todo, e continuamos comprometidos com o fortalecimento dessa relação.”
Questionado sobre a diferença de estoque entre as lojas, o Carrefour afirmou que “o aprovisionamento pode variar entre unidades, mas garantiu que todas mantêm produtos suficientes para atender os clientes”.
Na unidade da avenida Ribeiro Lacerda, zona sul da capital paulista, os consumidores já percebem a subtracção na oferta de carnes. Na prateleira destinada aos produtos da Friboi, restavam somente 12 peças.
O mecânico Mauro Oliveira, 53, que costuma comprar produtos da marca, precisou escolher outra por não encontrar o namoro desejado.
“Eu sabia desse boicote pelas notícias, mas não imaginei que já estaria sentindo isso na prática”, comentou. Ao perguntar ao carniceiro sobre o resultado, foi informado de que haveria mais peças em outra geladeira, mas não encontrou o item.
Apesar do transtorno, Mauro apoia a ação dos frigoríficos. “Eles estão certos. É uma maneira de proteger o Brasil.”
Entre os 20 clientes entrevistados na unidade, 11 afirmaram estar cientes do boicote e sete disseram estribar a decisão das empresas.
Na unidade da rodovia Anchieta, também na zona sul, a aposentada Deyse Leite, 74, foi surpreendida pela pouquidade de produtos da Masterboi. “Tomei um susto. Procurei pela marca, mas só encontrei outras carnes”, contou.
Diferentemente da loja da Ribeiro Lacerda, a unidade da Anchieta ainda apresentava poucas opções de marcas que aderiram ao boicote. Dos 20 clientes ouvidos no lugar, 11 notaram a falta de produtos, 15 sabiam da suspensão e dez deles apoiaram a decisão dos frigoríficos.
Na unidade da avenida Nações Unidas, zona sul, onde ainda havia opções de marcas envolvidas no boicote, a empresária Aparecida da Silva, 54, ponderou os efeitos da paralisação.
“Entendo o lado dos frigoríficos, mas não é justo que os clientes sejam prejudicados. Não quero chegar ao ponto de ter que andejar mais para comprar em outra rede”, disse.
Entre os 20 clientes ouvidos na unidade, sete notaram a pouquidade de produtos, 12 estavam informados sobre o boicote e 10 declararam pedestal à decisão dos frigoríficos.
Apesar de ainda racontar com estoques em algumas lojas, nenhuma das unidades visitadas pela reportagem oferecia carnes da Masterboi.
JBS SERIA RESPONSÁVEL POR 100% DO ABASTECIMENTO DO ATACADÃO
O Carrefour Brasil é líder no varejo fomentar no país. A filial brasileira é a segunda maior operação do grupo galicismo no mundo, só perdendo para a França. O grupo já vinha desde a pandemia investindo na compra de produtos locais e regionais para abastecer as lojas, fortalecendo itens de marca própria.
“No Brasil o maior faturamento do grupo Carrefour vem do Atacadão, responsável por tapume de 70% das vendas totais. Em um atacarejo, as vendas de carnes não são tão representativas quanto em um supermercado”, diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail.
O maior fornecedor de carnes do grupo é a JBS, responsável sozinha por 80% do aprovisionamento das lojas do Carrefour, apurou a Folha junto a fontes próximas do frigorífico. Mas a JBS responde por 100% do aprovisionamento do Atacadão, a principal operação do grupo -o que torna o imbróglio do Carrefour com os frigoríficos brasileiros muito mais uma queda de braço entre o grupo galicismo e a JBS.
As declarações do CEO mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, na última quarta-feira (20) teriam mexido com os ânimos da JBS, o maior produtor mundial de proteína bicho, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, possessor de marcas uma vez que Swift, Friboi, Seara e Maturatta.
Segundo fontes próximas ao frigorífico, na sexta (22) houve ordem para que os caminhões da JBS que estivessem em rota para lojas ou centros de distribuição do Carrefour suspendessem as entregas.
O Carrefour tem intensificado a fiscalização sobre os frigoríficos brasileiros, o que levou inclusive à suspensão de 11 fornecedores leste ano. No terceiro trimestre, a varejista ampliou o controle socioambiental para compras de mesocarpo bovina: antes restrito ao bioma amazônico, passou a controlar a origem da mesocarpo dos demais biomas brasileiros.
A empresa não compra de fornecedores envolvidos com “desmatamento/conversão de vegetação nativa, condições de trabalho análogas à escravidão ou infantil, embargos ambientais, invasões de terras indígenas, quilombolas ou áreas de conservação.”
“Nossos fornecedores se comprometem a realizar a estudo de geomonitoramento (checagem de conformidade por meio de imagens via satélite) de suas fazendas de fornecimento direto e, paralelamente, devem informar a origem da compra a partir do Cadastro Ambiental Rústico (CAR) ao Grupo Carrefour Brasil, para que seja realizada uma dupla checagem de conformidade”, disse o grupo, em relatório de resultados do terceiro trimestre deste ano.
“No trimestre, analisamos 22.615.555 hectares em 28.451 fazendas. Encerramos o trimestre com 18 frigoríficos fornecedores ativos e 11 bloqueados pelo não cumprimento do critério para compras do grupo.”
CARNES REPRESENTAM ENTRE 6% E 12% DAS VENDAS DO GRUPO
De pacto com relatório do Goldman Sachs, as carnes representam entre 6% e 12% das vendas do Carrefour no Brasil. Nas estimativas do banco, o lucro líquido da rede varejista pode tombar entre 0,54% e 1,09% no quarto trimestre, para cada dia de interrupção no fornecimento de carnes bovinas, enquanto as vendas podem recuar entre 0,07% e 0,13% por dia.
Caso a interrupção afete também o fornecimento de carnes de frango e porco, o banco estima que as perdas possam chegar a 1,8% do lucro e 0,2% das vendas por dia de desabastecimento.
“Destacamos que a potencial indisponibilidade de produtos cárneos poderia motivar a queda de tráfico uma vez que um todo, resultando em queda significativa nas vendas de outras categorias”, diz o relatório do Goldman Sachs, assinado pelos analistas Irma Sgarz, Felipe Rached e Gabriela Leme.
Em meio a relatos de adesão ao boicote de empresas do setor de aves e suínos, a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Bicho) tem marcada para esta terça-feira (25) uma reunião de seu juízo diretivo para abordar a situação envolvendo o Carrefour.
A teoria é que uma diretriz em relação ao tema seja encaminhada às empresas associadas. Procurada, a ABPA disse que não irá comentar.
Também a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) deve determinar nesta terça se adere ao boicote contra o Carrefour. A reportagem apurou que a rede varejista pediu um dia a mais para a associação, na tentativa de virar a situação junto aos frigoríficos e regularizar o aprovisionamento.
FRANÇA RESPONDE POR 0,02% DAS EXPORTAÇÕES DE CARNE DO BRASIL
O imbróglio envolvendo o Carrefour e os frigoríficos brasileiros começou na última quarta-feira (20), quando o presidente mundial da varejista, Alexandre Bompard, publicou nas suas redes sociais que o grupo deixará de comprar mesocarpo do Mercosul. O motivo seria o padrão de pecuária na América do Sul.
No dia seguinte, o Carrefour afirmou que a medida se aplicaria somente às lojas da França e que não se referia à qualidade do resultado sul-americano -e sim a uma demanda do setor agrícola no país europeu. O veto, no entanto, gerou uma vaga de críticas e de pedidos de retratação de entidades do agronegócio.
A França, porém, é irrelevante uma vez que consumidora de carnes bovinas brasileiras. O país respondeu por 0,02% das vendas externas brasileiras até outubro. Nos primeiros dez meses de 2024, o país europeu comprou 314 toneladas de carnes do país. A suspensão das compras francesas, portanto, não é capaz de afetar o setor frigorífico no Brasil.
No sábado (23), frigoríficos afirmaram que deixariam de fornecer mesocarpo ao supermercado. Representantes de 44 associações da enxovia produtiva brasileira assinaram uma epístola oportunidade a Bompard sobre a qualidade das carnes produzidas no Mercosul.
Eles afirmam no documento que a decisão anunciada pelo CEO do Carrefour demonstra uma “abordagem protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e interdependentes”.
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