REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – A invenção ao som da maior margem de todos os tempos talvez fosse um prenúncio do estrelato de Lucy. Os Beatles já tinham se separado quatro anos antes, mas seu hit psicodélico “Lucy in the Sky With Diamonds” tocava sem parar num acampamento de cientistas em 24 de novembro de 1974, quando o migalha fossilizado de um braço foi flagrado numa encosta pelo paleoantropólogo americano Donald Johanson.
O cenário era o seco vale do rio Awash, na Etiópia. O braço foi só o prelúdios. Johanson e seus colegas acabariam encontrando murado de 40% do esqueleto, um tanto muito vasqueiro no caso de um membro da linhagem humana tão velho quanto Lucy (com 3,2 milhões de anos de idade).
Cinquenta anos depois, a fêmea de hominínio que, em vida, media 1,1 m mantém seu status de ícone da evolução humana e da espécie Australopithecus afarensis. Mas deixou de ser uma estrela solitária. Ao menos 20 outros indivíduos da mesma espécie, incluindo até um filhote de somente três anos, foram descobertos de lá para cá, permitindo retratar com muito mais precisão -mas também com alguns mistérios persistentes- uma vez que esses ancestrais viviam. Essa amostragem relativamente ampla também é incomum no caso da linhagem humana.
“A invenção da Lucy foi muito importante porque, para debutar, foi um tanto que expandiu o alcance temporal do que a gente sabia sobre os hominínios -antes dela, esse alcance só ia até uns 2 milhões de anos detrás”, destaca o paleoantropólogo brasílio Gabriel Rocha, doutorando na Universidade Stony Brook (EUA). “Outrossim, foi encontrado o pós-crânio, com muitas informações sobre boa segmento do corpo dela.”
Rocha explica que diversas características do esqueleto da pequena mulher-macaca deixam simples que sua espécie estava adaptada ao andejar bípede, que caracteriza o grupo de primatas mais aparentados aos seres humanos do que aos demais símios.
É um tanto que pode ser visto, entre outras coisas, na feitio do fêmur (osso da coxa) ou no forâmen magno -a brecha que conecta o crânio com as vértebras do pescoço. O forâmen magno dos A. afarensis e dos demais australopitecos ocupa uma posição mediano na base do crânio, o que corresponde indiscutivelmente à posição ereta. E o dedão do pé estava desempenado com os demais dedos, sem a função de “polegar” que vemos nos pés de orangotangos, gorilas e chimpanzés.
Ao mesmo tempo, porém, Lucy e seus companheiros de espécie tinham braços proporcionalmente mais longos e pernas mais curtas, o que indica capacidades que ainda eram parcialmente arbóreas.
“As pernas mais compridas dos seres humanos atuais tendem a atrapalhar na hora de subir em árvores -o nosso tronco é meio que jogado para fora da árvore”, explica o paleoantropólogo. “As proporções dos australopitecos evitavam esse problema.”
Detalhes do esqueleto do filhote de A. afarensis, denominado de Selam e também descoberta na Etiópia, sugerem que, nessa tempo da vida, os australopitecos tinham anatomia mais adequada ainda para subir árvores, o que talvez fosse um fatia útil para evadir de predadores.
Os vários outros indivíduos da espécie descobertos até agora, muito uma vez que pegadas preservadas em antigas cinzas vulcânicas, sugerem que havia grande versatilidade de tamanho entre os A. afarensis -os maiores adultos poderiam medir murado de 1,60 m. Por enquanto, a explicação mais aceita para essa inconstância é o dimorfismo sexual, com machos consideravelmente maiores que as fêmeas.
Entre outras espécies de primatas, é generalidade que a diferença de tamanho entre os sexos reflita e reforce aspectos do comportamento social e reprodutivo. Quando o másculo é muito maior, é generalidade que haja uma competição ferrenha entre os machos, do qual objetivo é a formação de haréns -um vencedor do sexo masculino monopoliza diversas fêmeas. É o que acontece no caso dos gorilas atuais. Por outro lado, quando ambos os sexos têm mais ou menos o mesmo tamanho, um tanto parecido com a monogamia pode terminar emergindo.
Será que a vida amorosa de Lucy era semelhante à das gorilas? É uma possibilidade, mas Rocha aponta que, diferentemente dos grandalhões atuais, os australopitecos machos não tinham caninos grandes e afiados, que são um componente importante da disputa por fêmeas. Isso pode indicar uma estrutura social dissemelhante da dos gorilas.
A odontíase do A. afarensis indica uma dieta que misturava vários tipos de vegetais e provavelmente insetos e pequenos vertebrados, e o formato do osso hioide -presente na região da gasganete e encontrado na pequena Selam- sugere capacidades vocais de macaco, e não de humano. O cérebro não diferia, em tamanho, do de um chimpanzé. Mas tem se fortalecido a possibilidade de que a espécie fosse capaz de fabricar e usar ferramentas de pedra.
“Se a gente se perguntasse dez anos detrás ‘será que os australopitecos usavam ferramentas’, a resposta seria não. Mas houve, em 2015, a invenção das ferramentas de Lomekwi [Quênia], com 3,3 milhões de anos”, recorda ele. “Aí sim a gente finalmente encontrou o mais difícil: instrumentos tão antigos quanto a espécie. Portanto, é um tanto temporalmente provável, embora existam outras espécies de hominínios que seriam candidatas a isso.” Só novas descobertas, com uma associação direta entre fósseis e ferramentas, talvez sejam capazes de resolver o mistério.
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