KALIL DE OLIVEIRA
FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) – “O dia todo, só que não o dia inteiro”. Nove horas. Seis horas. Quatro horas. Essas foram as respostas de sete adolescentes de 13 a 15 anos do Monte Cristo, periferia de Florianópolis, sobre quanto tempo de tela passam diariamente. Em roda de conversa na ONG Lar Fabiano de Cristo, sete alunos compartilharam experiências com o do dedo.
Deles, seis estão em pelo menos uma rede social -e exclusivamente uma não tem celular. Dizem que é para trocar mensagens com amigos, familiares, ver vídeos e jogar Free Fire. Mas, às vezes, costumam se sentir ansiosos e irritados com a quantidade de informações. Esse fenômeno é ainda mais intenso para adolescentes periféricos, dizem especialistas.
Embora os efeitos observados na saúde mental nesses jovens sejam os mesmos notados em outros de classes sociais distintas, variantes uma vez que classe, raça e gênero fazem com que as consequências sejam ainda maiores, diz Amanda Koschnik, educadora social, historiadora pela UFSC (Universidade Federalista de Santa Catarina) e mestranda em ensino profissional e tecnológica pelo IFSC (Instituto Federalista de Santa Catarina).
“Grupos tradicionalmente excluídos vão sentir esse impacto muito mais violentamente”, afirma.
Uma das adolescentes assistidas pela ONG, que oferece atividades pedagógicas às pessoas e famílias em situação vulnerável, diz que costuma ter impaciência ao estar longe do celular.
A imigrante venezuelana relata que a família não é seguro e que, por isso, sente premência de checar com persistência se alguém mandou alguma mensagem.
No ponto de vista de Koschnik, as tecnologias digitais são desenvolvidas a partir de interesses das classes ricas e o que chega na periferia são equipamentos já ultrapassados e defasados. Ela diz que o algoritmo das redes sociais impõe comportamentos incompatíveis com a veras periférica e que isso gera angústia.
É, no entanto, impossível tratar as tecnologias uma vez que culpadas absolutas pelo adoecimento mental de adolescentes periféricos.
“Eles têm impaciência porque não dormiram a noite toda, porque os pais estão brigando ou porque a comunidade teve toque de recolher porque a polícia prometeu matar alguém”, diz. “A digitalização da vida vai intensificar processos cujas raízes estão na própria sociedade”.
Em julho deste ano, a Companhia das Letras lançou a edição brasileira de “A geração ansiosa”, do pesquisador em psicologia social da Universidade de Novidade York Jonathan Haidt. O livro rapidamente tornou-se best-seller e dominou o debate ao discutir o papel das redes sociais no desenvolvimento de transtornos mentais em jovens.
De convenção com o psicanalista Christian Dunker, professor da USP (Universidade de São Paulo), existe aumento proporcional do sofrimento psíquico nas periferias -sobretudo entre mulheres e negros. Para entender o fenômeno, defende que há de se considerar diversos fatores, inclusive o comportamento do dedo. “Precisamos entender uma vez que as práticas mais nocivas, uma vez que cyberbullying, incidem por raça, gênero e classe”, diz.
De convenção com Dunker, as redes sociais, ao impulsionarem conteúdos inacessíveis para pessoas de baixa renda, provocam FOMO (fear of missing out, na {sigla} em inglês), sentimento de estar por fora. “O sujeito se vê fracassando. Quando percebe que os recursos que tem e a posição onde está não são suficientes para enfrentar o conflito daquela diferença, surgem pensamentos de culpa, de vergonha e de isolamento”.
Por outro lado, o profissional em ensino do dedo do Instituto Alana, ONG que atua para proteger os direitos das crianças e adolescentes, Rodrigo Nejm argumenta que os bairros periféricos têm menos aproximação à saúde pública e infraestrutura pública de lazer. A desconectividade costuma ser feita através de brincadeiras analógicas e caminhadas. “Para alguns, é pelo do dedo que conseguem acessar serviços de saúde mental gratuitos disponíveis online”, diz.
“Nas periferias urbanas, há dezenas de variáveis de violência, é muito mais perigoso acessar a rua. A presença na tela acaba sendo, às vezes, menos violenta”.
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