“Ainda tem muita luta pela frente”, diz Anielle sobre o 20 de Novembro

A bandeira virente da União Africana, organização internacional que representa 55 países da África, hasteada ao lado da brasileira, em frente ao Monumento de Zumbi dos Palmares, na avenida Presidente Vargas, no Núcleo do Rio de Janeiro, revelava que alguma coisa de peculiar acontecia naquela região, nesta quarta-feira (20).

Aos pés do busto gigante do herói preto, a atenção maior era para os atabaques, cantos e danças de origem afro, que deram o tom de mais um dia de celebração da Consciência Negra. Entre as dançarinas, Lorena Bernardino, de somente 9 anos, traduziu o que era a celebração.

“Essa sarau representa nossa cor negra, e a gente está pedindo que não tenha racismo”, diz a moradora de Sampaio, bairro da zona setentrião carioca.

No estado do Rio, o 20 de novembro, data do natalício da morte de Zumbi dos Palmares, é feriado desde 2002. Até ano pretérito, somente seis estados e 1.260 municípios decretavam feriado. Mas a partir desde ano, a data tem caráter vernáculo, ou seja, é feriado em todo o país.

A ministra da Paridade Racial, Anielle Franco, participou do evento no Rio de Janeiro e destacou a concretização da lei que transformou o Dia de Zumbi e da Consciência Negra em feriado.

“É uma construção e um pedido do movimento preto de muitos anos”, disse à Sucursal Brasil. A ministra considera que o dia é de luta, mas também para “comemorar alguns feitos”.

“A gente conseguir estar letrando a sociedade, lutando por mais saúde, mais instrução, menos evasão escolar. A gente tem dados nos últimos dois anos de encaminhamento de legado, que a gente está muito orgulhosa. Mesmo sendo essa sarau boa, ainda tem muita luta pela frente”, declarou. O ministério destaca o Planta da Paridade Racial, que mostra ações de órgãos públicos relacionadas ao tema.

A ministra destacou a proposta do governo brasílico de geração do 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), voltado para promover a paridade racial. Os ODS estão no contexto da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), que determina um compromisso dos países para vangloriar indicadores relacionadas a paridade, instrução, saúde, entre outras prioridades.

“A ODS 18, trazendo a nível mundial, e pensar a sobrevivência do povo preto é importante”, afirmou.

Zumbi liderou a resistência contra a escravidão em um conjunto de quilombos que existiu por tapume de um século – onde hoje é a cidade alagoana de União dos Palmares. Em 1694, o principal quilombo, Mocambo do Macaco, foi destruído. Zumbi foi morto por um sertanista português em 20 de novembro de 1695. O líder preto deixou um legado de resistência e de construção de uma sociedade baseada na paridade.

A Lei 14.759, que instituiu o feriado vernáculo, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 21 de dezembro de 2023. O projeto é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).

O coordenador estadual da Educafro (ONG que luta pelo ingresso de negros em universidades), Joelson Santiago, considera que transformar o 20 de Novembro em feriado vernáculo é “mais que um simbolismo”.

“Representa uma conquista. A nossa luta não tem sido em vão”, disse à Sucursal Brasil. No entanto, ele enfatiza que a população negra, a despeito de ser maioria no país, ainda está na base da pirâmide dos indicadores sociais.

“Nós somos os que mais adoecem, temos subemprego, somos ainda o grupo que permanece desamparado”.

O coordenador no Rio de Janeiro acredita que a teorema do 18º ODS por segmento do Brasil deixa o país em uma vanguarda mundial. “O Brasil pode ser farol para o mundo moderno”, disse.

A população negra, entendida uma vez que somatório de pretos e pardos, responde por 55,5% da população. De conciliação com o Recenseamento 2022 do Instituto Brasílico de Geografia e Estatística (IBGE) – que leva em conta a autodeclaração, há no Brasil 20,6 milhões de pretos e 92,1 milhões de pardos.

Os números confirmam a percepção do coordenador da Educafro sobre o preto ocupar a base da pirâmide de indicadores sociais. Um estudo feito pela Rede de Observatórios da Segurança, divulgado no último dia 7, revela que quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros.

No campo da economia, o desemprego de negros supera o de brancos, de conciliação com o IBGE.

Também de conciliação com o instituto, pretos e pardos são 72,9% dos moradores de favelas.

Em relação à saúde, o cenário novamente é desvantajoso para a população negra. A Instalação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reuniu nesta quarta-feira dados já conhecidos sobre desigualdade racial. São estudos que mostram os negros sendo principais vítimas de mortes neonatais, doenças crônicas uma vez que diabetes e hipertensão, e até de ondas de calor. Em 2022, mostra a Fiocruz, 63% dos casos de tuberculose eram de pessoas pretas e pardas.