FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com um rombo atuarial recorde de R$ 6 trilhões, os regimes previdenciários de União, estados e municípios vêm acumulando déficits insustentáveis e derrubando a capacidade de investimentos públicos no país.
O montante equivale a 84% da dívida pública federalista (R$ 7,1 trilhões) e, ao contrário desta, não pode ser rolado com a emissão de títulos, pois trata-se de pagamentos mensais a milhões de aposentados do setor estatal.
Em 2017 no Rio de Janeiro, por exemplo, servidores e aposentados realizaram protestos, entrando em confronto com a polícia, por atrasos no pagamento. O risco, no porvir, é que vários estados e municípios passem pelo mesmo.
Só no governo federalista, em pouco mais de 30 anos a despesa previdenciária saltou de 19,2% do totalidade do gasto para 52%, segundo cálculos do técnico em contas públicas Raul Velloso. Na contramão, o que a União tinha para usar livremente (gasto discricionário) desabou de 33,7% do totalidade para 3,1%.
Quem mais sofreu foram os investimentos, que recuaram de 16% do totalidade do gasto para 2,2%. No período, houve aumento também em despesas com saúde, ensino e assistência social -comprimindo mais os investimentos. Na esteira da redução dos aportes públicos, o PIB do país também apresentou taxas menores.
Esse quadro crítico pode se tornar mais grave caso o STF (Supremo Tribunal Federalista) julgue procedentes ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) de grupos do funcionalismo que pretendem varar efeitos da reforma da Previdência de 2019 -o que diminuiria o fluxo de contribuições dos servidores para o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social).
A AGU (Advocacia Universal da União) estima que quatro pontos contestados podem gerar rombo de R$ 206,4 bilhões. O valor pode ser maior considerando os regimes previdenciários de muitos estados e municípios que fizeram reformas com base no texto autenticado em 2019 para os servidores federais -o mesmo que valeu para o setor privado (RGPS), e que pretendia forrar muro de R$ 900 bilhões em dez anos.
A ação de maior efeito procura reestabelecer a tributo linear de 11% para todos os servidores, qualquer que seja a remuneração. A reforma introduziu a progressividade para os funcionários públicos (assim porquê existe para os da iniciativa privada), com alíquotas entre 7,5% e 22%. Com votação empatada no STF, caso a decisão seja favorável, o rombo seria de R$ 74 bilhões.
Servidores geralmente têm rendimentos maiores que os pagos no setor privado formal, além de segurança no ocupação e outras vantagens. Segundo a Republica.org (organização da sociedade social que se dedica à transformação da gestão de pessoas no setor setor público), só nos municípios o provento médio deles é próximo ao da iniciativa privada formal, R$ 3.900 e R$ 3.400, respectivamente.
Outra ação quer varar a regalia da União de cobrar tributo extraordinária de servidores ativos e inativos que ganhem supra de um salário mínimo.
Antes da reforma, a cobrança só incidia sobre aqueles com rendimentos maiores que o teto do INSS (R$ 7.786). A União ainda não implementou a tributo extra. Mas, caso o STF rejeite a medida, o impacto será de R$ 71,5 bilhões.
As ações também contestam o aumento da base de operação para a tributo de aposentados e pensionistas. A reforma prevê que ela incida sobre todos os rendimentos supra de um salário mínimo, quando houver déficit. Já há maioria na Galanteio, e o impacto seria de R$ 55 bilhões.
“Estamos andando para trás. A reforma da Previdência de 2019 teve o grande préstimo de aproximar o regime do setor público ao da iniciativa privada. E previu mecanismos para controlar o déficit atuarial dos regimes próprios [públicos], com a alíquota progressiva. Isso vai ser derrubado, o que é inacreditável”, diz Paulo Tafner, economista e um dos maiores especialistas em Previdência do país.
Tafner afirma que, com essas decisões, o STF pode “reestabelecer privilégios e jogar a situação fiscal do país no caos”. Ele lembra que a Emenda Constitucional 103, da reforma da Previdência, custou “muita bulha e convencimento” e foi aprovada em várias votações no Congresso. “Aí, em uma canetada, 11 ministros do Supremo podem passar por cima de deputados e senadores.”
O técnico estima um impacto totalidade, caso as ADIs sejam aprovadas, de R$ 389 bilhões, valor ainda maior do que o calculado pela AGU. Ele lembra que o déficit previdenciário do setor público é cinco vezes maior do que o do setor privado.
O ex-secretário da Previdência Leonardo Rolim calcula que muro da metade do déficit atuarial de R$ 6 trilhões do regime previdenciário público seja dos estados e o restante, da União e dos municípios.
Rolim afirma que os déficits da União e de estados grandes porquê São Paulo e Minas Gerais não estão sendo equacionados, enquanto outros entes municipais e estaduais têm adotado medidas -como alíquotas progressivas e extraordinárias- para emendar os rombos ao longo das próximas décadas.
“Infelizmente, muitos políticos só pensam no próximo ano. Se tomarem medidas, têm um dispêndio no limitado prazo. Assim, acabam deixando para os próximos, pois estão mais preocupados em ter verba disponível no presente”, afirma.
O item 40 da Constituição determina que aos “servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Região Federalista e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o estabilidade financeiro e atuarial”.
Segundo Rolim, sem medidas para sustar o déficit, há um descumprimento sistemático do que a Missiva prevê. “Não fazer zero é, por exemplo, não usar o regime da reforma da Previdência de 2019, e não implementar planos de equacionamento do déficit”, afirma.