SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No momento em que as críticas ao presidente Jair Bolsonaro se acumulam no Congresso, e até o centrão ameaça debandar, o governo ganhou um alento ao controlar a poderosa Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ).
Isso se deve ao perfil de sua presidente, a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Procuradora aposentada do Distrito Federal, é defensora ardorosa do presidente e de pautas conservadoras.
À primeira vista, seu histórico de críticas ao STF e perfil combativo nas redes sociais indicam que Kicis terá um comportamento pouco afeito à moderação e ao diálogo à frente da CCJ. Mas nada está mais distante da realidade, indica um de seus principais aliados.
“Ela vai ser num primeiro momento um cão de guarda”, diz o empresário Winston Ling. “Por aquela comissão, passa tudo. Nossa esperança é que pelo menos ela não vai deixar passar as coisas ruins, tanto na área econômica quanto na de costumes. Ela é uma garantia de que coisas ruins e antirrepublicanas não vão prosperar”, afirma.
Ling é expoente de uma família de empresários sino-brasileiros que se estabeleceram no Rio Grande do Sul e tornaram-se propagadores de ideias liberais no Brasil.
Os Ling têm negócios em diversas áreas, do agronegócio à indústria do entretenimento. O próprio Winston adquiriu recentemente os direitos sobre o concurso Miss Brasil.
Politicamente, ele é um apoiador incondicional de Bolsonaro, e Bia Kicis é uma de suas grandes parceiras na defesa do presidente. A ligação dos dois remonta a 2016, quando o então deputado federal começava a manifestar a intenção de se candidatar ao Planalto.
“Começamos a ter contato em 2015, por redes sociais. Eu estava preocupado com o Brasil, comecei a postar bastante, e ela estava entrando em contato com todos os ativistas, procurando conhecer pessoalmente cada um. Então ela me mandou uma mensagem, e nós nos encontramos em dezembro daquele ano, tomamos um café em São Paulo”, relembra o empresário.
A amizade prosperou, e acabaria dando uma das contribuições mais importantes à campanha de Bolsonaro. Foi a dupla Ling-Kicis que agiu para unir o então candidato a seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Eu estava em Xangai no final de 2017, e aí saiu a noticia de que o Gustavo Franco [ex-presidente do Banco Central] havia se juntado ao Partido Novo. Eu pensei: ‘o Bolsonaro precisa de alguém desse tipo também'”, lembra.
Ling diz que começou pensar em nomes para serem uma espécie de guru econômico de Bolsonaro, como forma de lustrar as credenciais dele junto ao mercado.
Guedes, economista liberal e banqueiro bem-sucedido, que nunca havia tido uma oportunidade de trabalhar no governo, era um velho conhecido de eventos como o Fórum da Liberdade, realizado anualmente em Porto Alegre. Sugeriu o nome a Kicis, que achou boa a ideia.
“Mandei mensagem para o Guedes perguntando se ele teria interesse em conhecer o Bolsonaro, porque muita gente na época não queria colar o nome a ele”.
Com a resposta afirmativa à sondagem, Ling mandou mensagem para Kicis, que por coincidência, ao recebê-la, estava ao lado de Bolsonaro em uma viagem em Nova York (EUA). “A Bia mostrou a tela do celular para o Bolsonaro, e ele aceitou que marcassem um encontro”.
Em 13 de novembro de 2017, Bolsonaro, Guedes e o casal de cupidos se encontraram em um hotel na Barra da Tijuca, no Rio. Lá estavam também os filhos do futuro presidente, além do advogado Gustavo Bebianno, que iria coordenar a campanha e, sintomaticamente, um assessor especializado em mídias digitais, Tercio Arnaud, que viria a integrar o chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto.
“Bia ajudou a fazer a introdução no encontro, depois trabalhamos para que os dois continuassem se conhecendo. Ficamos na torcida, empurrando para os dois se encontrarem mais vezes”, afirma o empresário.
Kicis, aliás, é boa casamenteira, afirma Ling. Foi ela também que apresentou o atual ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, a Guedes e Bolsonaro.
Esse histórico, diz o empresário, mostra como ela tem capacidade de unir pessoas e promover o diálogo. “Ela sabe que as coisas não se empurram goela abaixo, que têm de ser conversadas”, declara.
Em pouco mais de dois anos de mandato, Kicis construiu uma reputação de opositora feroz do Judiciário, o que quase acabou lhe custando a eleição para comandar a CCJ.
Ling afirma que não é bem assim, e que a deputada é vítima da famosa “guerra de narrativas”. “Ela combate o ativismo judicial, não a instituição STF. Existe esse tipo de confusão”, afirma.
Em outras palavras, diz o amigo, a deputada se insurge apenas contra a tentativa dos juízes de interferirem em outros Poder; “Nos EUA, os ministros americanos não aparecem nos jornais. Num jogo bom de futebol, os juízes quase não são citados. O que ela combate é o que eu combato também”, diz.
Os próximos meses mostrarão se no comando da CCJ Kicis se comportará como uma ativista ou se vai surpreender pela moderação. Suas pautas preferidas, afinal, não têm nada de conciliadoras, como a defesa do Escola Sem Partido e do voto impresso.
O fato de a prioridade, novamente, ser a agenda econômica naturalmente vai diminuir o espaço para pautas controversas. “Ela é uma pessoa muito ponderada, não tem nada de radical, com querem carimbá-la”, afirma.
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