(FOLHAPRESS) – O risco de complicações após uma cirurgia bariátrica é maior para pacientes com obesidade extrema -aqueles com IMC (índice de massa corpórea) acima de 70- do que em pessoas que pesam menos. E o tratamento prévio com medicações à base de GLP-1 sintético, como Ozempic, Wegovy, Saxenda e Mounjaro, tem conseguido fazer a diferença nesse cenário.
Um estudo divulgado na semana passada pela Sociedade Norte-Americana de Cirurgia Metabólica e Bariátrica (ASMBS, na sigla em inglês) comprovou que o tratamento pré-cirúrgico com esses remédios pode ajudar os obesos graves a perderem quilos suficiente para se candidatarem ao procedimento.
O levantamento apontou que os pacientes com IMC acima de 70 tratados com uma combinação desses medicamentos perderam 13% do peso corporal contra 6% daqueles que fizeram apenas dieta e exercício físico.
A entidade destaca que a redução de peso antes da cirurgia é um fator de redução de riscos conhecido, mas que, até agora, nenhuma outra medicação ou mudança de estilo de vida havia sido capaz de fazer esses indivíduos perderem o necessário para melhorar as chances de sucesso.
Phil Schauer, diretor do Metamor Metabolic Institute da Pennington Biomedical, no estado da Louisiana (EUA), disse em nota da entidade que muitos desses pacientes que agora podem se qualificar para o procedimento, de outra forma, “seriam considerados ‘muito doentes para cirurgia’.”
O levantamento considerou uma amostra de 113 pacientes com IMC maior que 70 que tentaram perder peso antes da cirurgia metabólica e bariátrica com supervisão médica. O grupo foi tratado com dieta e atividade física e um único medicamento GLP-1 (principalmente semaglutida) ou terapia multimodal (com mais de um GLP-1) por uma média de 72,9 dias.
Os que tomavam múltiplos medicamentos tiveram o maior percentual de perda de peso corporal total (13,1%), seguidos por aqueles com terapia única de GLP-1 (8,14%) e dos que fizeram somente dieta e exercícios (5,95%). As reduções do IMC foram maiores para aqueles tratados de 6 a 12 meses com terapia medicamentosa combinada.
Em 2022, de acordo com a ASMBS, foram realizados quase 280 mil procedimentos metabólicos e bariátricos nos EUA, o que representa apenas cerca de 1% daqueles que atendem aos requisitos de elegibilidade com base no IMC.
De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano, a obesidade afeta 42,4% dos indivíduos do país.
Marina S. Kurian, presidente da ASMBS e professora do Departamento de Cirurgia, Divisão de Cirurgia Bariátrica da entidade, não esteve envolvida no levantamento, mas lembrou na divulgação do conteúdo que a “obesidade deve ser vista como outras doenças crônicas”, nas quais, por vezes, “é necessário mais do que uma terapia ao longo do tempo” para obter resultados.
Apesar do avanço, Kurian destacou que ainda são necessários mais estudos “para determinar o papel ideal do GLP-1 antes e depois da cirurgia metabólica e bariátrica entre diferentes grupos de pacientes”.
A pesquisa da ASMBS foi divulgada em um evento, o Encontro Científico Anual 2024 da entidade, e ainda deve ser discutido e publicado em uma série de artigos sobre o tema em revistas internacionais.
O estudo reforça que obesidade é um problema que enfraquece o sistema imunológico do corpo e pode causar inflamação crônica, além de aumentar o risco de gravidade e incidência de doenças como as cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC), diabetes tipo 2 e câncer.
Também afirma que a cirurgia metabólica, bariátrica ou para perda de peso ainda é o tratamento mais eficaz e duradouro para a obesidade grave, melhorando inclusive as morbidades colaterais desencadeadas pelo problema. A ASMBS é uma organização sem fins lucrativos e é considerada a maior entre cirurgiões da especialidade nos EUA.
O médico Carlos Aurelio Schiavon, especialista em cirurgia bariátrica e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), diz que IMCs extremos não são comuns no Brasil, mas que pesquisas como esta contribuem para a melhoria das alternativas para quem vive com a doença.
“Pacientes com o índice de massa corporal extremamente alto como esses do estudo, acima de 70, realmente podem ter um risco cirúrgico mais grande. Tanto pelas dificuldades técnicas quanto por complicações clínicas, como maior chance de trombose e embolia pulmonar”, diz o cirurgião.
Schiavon pondera que até hoje nenhuma pesquisa havia comprovado de fato que o emagrecimento pré-cirurgia realmente diminuía as chances de problemas. “Principalmente porque a perda de peso que os pacientes conseguiam não era muito alta com as medicações mais antigas ou mesmo com dieta. Isso não impactava no risco”, afirma o médico.
Para o cirurgião brasileiro, os resultados confirmam a potência da nova geração de medicações para tratar obesidade e abrem novas perspectivas para os pacientes e médicos.
Obesidade no Brasil
Um em cada quatro brasileiros (25,9% da população) vive com obesidade, segundo os dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. O valor é o dobro do encontrado na prevalência global -segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), uma em cada oito pessoas do planeta (ou cerca de um bilhão) estão obesas.
No ranking global da OMS, o Brasil é o 54º em obesidade infantil e o 70º em casos femininos da doença.
O Boletim Epidemiológico “Cenário da obesidade no Brasil”, publicado em abril deste ano pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do ministério, aponta que de 2013 e 2019 houve um incremento de 5,1 pontos percentuais na prevalência de obesidade no país, sendo o maior impacto entre as mulheres de renda mais baixa e pele negra.
São consideradas obesas pessoas com IMC acima de 30, que podem ser divididas em três graus de gravidade (acima de 40 ocorre a mais grave, chamada também de obesidade mórbida).
Em 2019, contudo, o Brasil mostrou que hábitos culturais tornaram a obesidade um risco aumentado para todos no país, sendo as maiores taxas de prevalência e mortalidade por obesidade estão nas regiões mais ricas, especialmente Sul e Sudeste.
Esta última região, inclusive, apresentou o maior número de casos (28,7% do total), com um incremento de 6,6 pontos percentuais no período avaliado.
A faixa etária mais atingida em âmbito nacional foi a de indivíduos com idade de 45 a 59 anos (36,1%) com predominância entre pessoas pretas (30,9%).
Os autores do boletim reforçam o caráter multifatorial que leva à doença e que a “obesidade não deve ser encarada com trivialidade, sob o risco de se incorrer em estigmas e rótulos que estimulam gordofobia, violências física e emocional e assédio moral.”