SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há pouco mais de um ano, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretava a pandemia do coronavírus, originada em Wuhan, na China -ainda que equipes da própria autoridade máxima em saúde não tenham encontrado evidências que o surto se deu em um mercado de animais local. Nesta quinta, a cidade foi alvo do primeiro estudo a apontar quantas pessoas se infectaram com o vírus na região e desenvolveram anticorpos contra o patógeno.
Na pesquisa, publicada na edição desta quinta-feira (18) da prestigiosa revista científica The Lancet, foram analisadas 9.542 amostras de sangue para detectar anticorpos específicos contra o coronavírus Sars-CoV-2, o que indicaria uma infecção prévia pelo vírus, mesmo em casos assintomáticos.
Do total de amostras analisadas, 532 tiveram resultado positivo no exame de sorologia, o que aponta para uma prevalência de 6,9% (de 6,41-7,43%, com intervalo de confiança de 95%) da Covid-19 na população estudada.
O número, segundo os autores, é muito baixo e mostra que a chamada imunidade coletiva, ou seja, a taxa de pessoas em determinada população que apresentam anticorpos e seriam, portanto, imunes ao vírus, só virá com a vacinação em massa.
Mas, diferentemente de outros estudos sorológicos que buscaram fazer testagens aleatórias na população, o estudo populacional, longitudinal e transversal avaliou, de abril a dezembro de 2020, amostras selecionadas dos 13 distritos de Wuhan (transversal) que fossem representativas da população (populacional) em três momentos distintos (longitudinal).
Com uma população de cerca de 11 milhões de pessoas, os pesquisadores selecionaram cem comunidades em cada um dos distritos de Wuhan e, dessas comunidades, selecionaram aleatoriamente um total de 4.600 residências.
A primeira coleta de sangue e de dados foi feita nos dias 14 e 15 de abril. A segunda visita foi feita em junho e a terceira, entre os dias 9 de outubro e 5 de dezembro.
Embora a soroprevalência encontrada na população tenha sido de 6,9%, essa taxa variou de cerca de 3%, nos indivíduos com idades de 12 a 17 anos, a 9,5% para aqueles com 66 anos ou mais. Também foi maior a taxa de mulheres (7,7%) com anticorpos para o Sars-CoV-2 em relação aos homens (6,22%).
Considerados como uma das ferramentas mais eficazes de proteção por bloquear a entrada do vírus nas células e ajudar contra novas infecções, os anticorpos neutralizantes foram detectados em 40% dos participantes que tiveram um resultado positivo.
Além da proporção de pessoas que já se infectaram, os pesquisadores buscaram entender quantas destas pessoas desenvolveram sintomas da Covid e, eventualmente, foram contabilizadas como casos confirmados da doença (após exame RT-PCR) e quantas foram assintomáticas e provavelmente sequer souberam que se infectaram com o vírus.
Para surpresa dos autores, 82% (437) dos participantes eram assintomáticos para a Covid-19, número quatro vezes maior do que o estimado na população geral que nunca desenvolve sintomas.
Outro achado importante do estudo foi que as taxas de anticorpos, mesmo os neutralizantes, não decaíram com o tempo e continuaram elevadas após quase nove meses.
Esse dado foi igual tanto para indivíduos que reportaram sintomas de Covid-19 quanto para assintomáticos.
Dados da pandemia na China apontam que 60% dos casos em todo o país aconteceram na região de Wuhan. No início da pandemia, as autoridades locais decretaram um lockdown, que durou de 23 de janeiro a 8 de abril. Ações como isolamento de casos, rastreamento de contatos e quarentena dos mesmos e restrições a viagens levaram a uma redução drástica dos casos na região.
Uma das limitações do estudo sorológico, entretanto, é justamente não ter como afirmar com certeza se os cerca de 18% dos participantes do estudo que tiveram Covid-19 se infectaram antes ou depois do lockdown, o que poderia trazer informações sobre duração da resposta imune e imunidade pós-infecção natural.
Diversos outros estudos no mundo tentaram estimar a proporção da população que já teria se infectado com o vírus e seria, em teoria, imune. O primeiro, na Espanha, encontrou 5% de prevalência da Covid na população; em Genebra (Suíça), a estimativa era de 11,6 infecções comunitárias para cada caso confirmado na população maior de cinco anos. Estudos de prevalência nos Estados Unidos encontraram taxas variando de 3,5% a até 27%, conforme a população estudada.
A Islândia fez um estudo em que encontrou menos de 1% da população com anticorpos anti-Sars-CoV-2, embora a mesma pesquisa tenha demonstrado que os anticorpos não diminuem com o tempo –o problema dos outros estudos que apontavam queda de proteção era o teste escolhido, com baixa sensibilidade.
No Brasil, a Epicovid-19, liderada pelo epidemiologista Pedro Hallal, encontrou prevalência na população de 3,8%. Na cidade de São Paulo, estudo feito pela USP e Unifesp em parceria com o laboratório Fleury encontrou prevalência de 29,9% na população adulta.
Todas essas estimativas, porém, são feitas com exames sorológicos rápidos ou ensaios chamados de eletroquimioluminescência (ECLIA), cuja sensibilidade chega, no melhor deles, a 84%.
Com as novas variantes do coronavírus em circulação, ter um resultado positivo para os exames sorológicos que detectam anticorpos no sangue contra as formas ancestrais do vírus não garante proteção, dizem especialistas.
Os autores do estudo de Wuhan, no entanto, afirmam que é importante ter uma estimativa de prevalência de anticorpos na população até para entender melhor os mecanismos envolvidos tanto na proteção passiva –infecção natural– quanto ativa –vacinação.
“Mesmo no epicentro da pandemia na China, com mais de 50 mil casos confirmados até o dia 8 de abril de 2020, a prevalência estimada em Wuhan é baixa, e somente 40% das pessoas com anticorpos desenvolveram os chamados anticorpos neutralizantes, sugerindo que ainda há uma baixa imunidade na população em geral”, afirma Chen Wang, primeiro autor do estudo e pesquisador da Academia Nacional de Ciências Chinesa.
Notícias ao Minuto Brasil – Mundo