Na noite de 3 de março, o jogo entre o recém-promovido Athletic contra o América, pela segunda rodada do Campeonato Mineiro, ficou em segundo plano graças a uma entrevista pré-jogo do treinador do América, Lisca, à beira do gramado. Nela, o comandante alviverde pediu maior sensibilidade à CBF. Para ele, a entidade deveria remarcar os confrontos da primeira fase da Copa do Brasil, o que evitaria grandes deslocamentos em meio ao agravamento da pandemia no País.
O desabafo foi em vão. Nesta quinta, o América enfrenta o Treze pelo torneio nacional, depois de Lisca e seus comandados terem encarado uma desgastante viagem com duas escalas rumo a Campina Grande, na Paraíba. Porém, o que ficou é que sua voz ecoou, motivando ainda mais debates sobre o momento delicado que vivemos.
Em entrevista ao Estadão, Luiz Carlos Cirne Lima de Lorenzo, o Lisca, que tem o apelido de “Doido” por suas opiniões fortes, porém espontâneas e lúcidas, manteve as palavras de outrora e revelou o temor que seus atletas e comissão ainda têm de contrair o vírus e transmitir a seus pares. Mostrou-se bastante coerente e com os pés no chão.
Como você viu a repercussão daquela entrevista?
Em momento nenhum eu pedi a paralisação de todo o futebol. Pedi apenas para que a CBF tivesse a sensibilidade de pausar a Copa do Brasil, para evitar grandes deslocamentos por causa do aumento da covid-19. Fiz a colocação preocupado com a falta de leitos nos hospitais, mas tiveram outra interpretação. Estamos no pior momento da pandemia. Perdi colegas, vemos milhares de mortes diárias e isso preocupa muito. Temos uma cepa (do coronavírus) que é 60% mais transmissível.
Como está o clima entre os seus jogadores?
Tenho um jogador que foi reinfectado (Juninho, volante do América). Na primeira vez, recuperou-se e treinou normal. Agora, já relatou mais sintomas, que está sem a força de antes, já que ficou dois dias de cama com febre alta. Você imagina o que passa na cabeça desses jogadores. A CBF diz que não teve nenhuma infecção em campo, mas quem senta ao nosso lado pode não ser testado. Vai saber? O clima não está ideal. Tem jogador aqui que tem filho pequeno. Belo Horizonte está com internações de bebês. Tem jogador que ainda mora com a avó. Fica aflito.
Viagens são arriscadas?
O que queria dizer é que o Gabigol estava em um lugar fechado com 200 pessoas (ao ser detido em um cassino clandestino em São Paulo), mas só no aeroporto de Confins havia mais de 200 pessoas no saguão (na segunda-feira, quando o América viajou à Paraíba). Aí pegamos uma aeronave com, sei lá, 150 pessoas. Descemos no Recife, mais 200 no saguão e 70 no voo até Campina Grande. Veja só. Estamos nos deslocando e nos arriscando cada vez mais.
Mas aquela declaração teve grande repercussão…
O que ninguém entende é que minha colocação foi como pai de família num momento de aumento da doença. Porém, querem politizar demais. Tudo no país é politização. A doença mais séria da nossa história virou palanque político. Quem é a favor da paralisação é de esquerda. Que saco! Não tenho conotação política. Desisti da política brasileira há 12 anos. Não acredito em esquerda ou direita. Porém, foi levado como se eu quisesse fazer uma campanha política.
O Richarlyson, ex-São Paulo, questionou sua posição, relembrando o abraço que deu nos torcedores após a classificação às semifinais da Copa do Brasil. Como viu essa é as demais críticas?
O Richarlyson é meu amigo pessoal. Fiquei surpreso, porque ele me conhece. Tenho admiração por ele. Trabalhei com ele no Guarani (em 2017). O que ele não entendeu é que não quero fechar o futebol. Ele está lá, lutando com seus companheiros no Noroeste, e se sentiu atingido. Mas, não. Não quero parar o futebol, quero evitar deslocamentos, até porque valorizo demais essa oportunidade que estamos tendo. Enquanto você e milhões de brasileiros estão em casa, fechados, temos o privilégio de treinar e jogar, com testes e aparato médico. A volta do futebol nos levou a ter uma saúde mental legal. Sempre valorizei isso. A minha questão foi unicamente de deslocamento na Copa do Brasil. Só.
Mas qual seria o cenário ideal?
Isso é uma decisão das autoridades. Não cabe a mim. O que espero é que tomem uma direção. Eu dei minha opinião, vivemos em uma democracia. Também não quero ser a voz da razão, porque toda unanimidade é burra. O que quero é que haja um consenso e que se veja também que o futebol não está à parte de tudo. Porém, se querem que o futebol continue, quem sou eu para ir contra a maioria? Se o América ou demais clubes quiserem jogar, vamos continuar. Mas, te digo: não verás mais da minha boca qualquer palavra sobre parar ou não o futebol. Já falei o que tinha que falar.
Você considera esse seu lado espontâneo como uma das suas principais virtudes?
Não tenha dúvida. Isso acontece desde o início da carreira. Desde quando trabalhei no Juventude, já tinha essa comunicação muito grande com a torcida e meus jogadores. Eles se identificam com o “personagem” e compram mais minha ideia. Eu vejo que muitos treinadores se colocam distantes do público. Entendo, mas quero o contrário. Quero trazer naturalidade e falar um vocabulário que eles falam. Quero que vejam minha paixão e minha sinceridade em estar ali, trabalhando com eles, porque isso me motiva. Quero viver uma vida normal, me identifico com o povo. Não quero fazer média, quero que saibam que sou um deles, que podem me parar e conversar. Sei que me tornei uma figura carismática, mas foi pela sinceridade.
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