GUILHERME LUIS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Boa praça como parece, Carlos Alberto de Nóbrega garante que dá entrevistas com a mesma serenidade com que argumentou com os assaltantes que o fizeram de refém em sua chácara no interior de São Paulo há 13 anos. Minutos antes de sentar com este repórter, porém, sua expressão era dura.
Agora não adianta pedir desculpa, ele repetia, mirando estarrecido um pedaço de persiana no chão. Um integrante da equipe de reportagem havia tirado ela do trilho, por acidente, para deixar o sol entrar no apartamento do humorista, em Alphaville, bairro nobre de Barueri, em São Paulo.
Zangado, disse não gostar de quem mexe nos itens da casa, apesar de sua autorização. Mas o aborrecimento se foi com a mesma rapidez com que surgiu. Carlos Alberto dispensou as desculpas e voltou a posar para as fotos, trocando a testa franzida pelos dentes à mostra.
Aos 88 anos, o criador e diretor do programa “A Praça é Nossa”, exibido no SBT desde 1987, rememora agora sete décadas de carreira. À frente do humorístico mais longevo da televisão –cuja primeira versão, “A Praça da Alegria”, foi criada por seu pai, Manuel de Nóbrega, nos anos 1950–, Carlos Alberto virou sinônimo de comédia brasileira e figura essencial para a construção da emissora de Silvio Santos.
Tanta gente passou pelo seu banco nesses 37 anos, mas Carlos Alberto permanece lá, sob a pele de um aposentado que tenta sem sucesso saber o que acontece no mundo lendo o jornal do dia, enquanto é interrompido por uma horda de personagens absurdos. Carlos Alberto, como seu programa, é um espécime em extinção.
“É meio antipático o que vou falar, mas a entrevista de hoje pode ser a última que eu dê. Porque três gerações já me conhecem, então não tem mais o que perguntar para mim. Sou obrigado a ir em podcasts ou receber vocês em casa para falar de coisas que já estão cansados de saber.”
São opiniões que podem desagradar um mundo em alerta, no qual toda pessoa pública se esconde atrás de um assessor, com medo do cancelamento. Mas não Carlos Alberto. Ele diz, por exemplo, que levou uma bronca velada do SBT quando disse numa entrevista que Silvio Santos –ausente há dois anos– provavelmente não voltaria a aparecer em frente às câmeras.
“Ele ficou louco da vida. Teve um B.O. danado na empresa. Foi proibido qualquer pessoa falar sobre a vida dele. Aquilo foi para mim. Só que ele não podia falar direto a mim por questões óbvias, né? Temos 70 anos de amizade.”
Ainda sobre os bastidores do SBT, Carlos Alberto sugere que Eliana só vai sair do canal porque teria levado uma rasteira na empresa. O contrato de 15 anos da apresentadora acaba neste mês, e muito se especula sobre seu futuro.
“Eliana não vai para a Globo ainda, isso eu garanto. Somos amigos. Ela está estudando as possibilidades. Para a Record é que não vai. Nem para a Band”, diz ele. “Mas é uma pena. Ela saiu por motivos sobre os quais tinha razão. Eu faria a mesma coisa. Sempre falei para o Silvio que por dinheiro eu não sairia do SBT, mas se pisassem no meu pé, sim”, afirma, se recusando a explicar a suposta perfídia.
Sem Eliana, o SBT enfrentará uma nova etapa nas mudanças de sua programação, em busca de uma sobrevida sem Silvio Santos. O próprio Carlos Alberto não o vê há três anos. “Meu carro ficava ao lado do dele no SBT. Era o meu, o dele e o da Hebe, que nunca ia. Quando chego e vejo aquela vaga vazia, me bate uma saudade.”
A amizade entre os dois surgiu após uma briga de negócios, na década de 1970, que os afastou por 11 anos. Carlos Alberto já era um redator de sucesso, tendo escrito para um punhado de programas com o pai, que, além de criador do Baú da Felicidade, ajudou a formatar a comédia de rádio e TV no século passado.
Quando seu pai morreu, em 1976, Carlos Alberto escrevia para “Os Trapalhões”, primeiro na TV Tupi, e depois na Globo, onde ficou por dez anos. Saiu de lá, ofereceu sua “Praça” para Silvio, que recusou, e levou a ideia à Band.
Após ver o programa na concorrência, Silvio mudou de ideia e tirou Carlos Alberto da Band duas semanas após a estreia para criar “A Praça É Nossa” no SBT. Foi quando a vida do humorista mudou. E se o programa foi um sucesso por anos, Carlos Alberto deve muito à genialidade do pai.
De certa forma o mesmo pode ser dito sobre a nova presidente do SBT, Daniela Beyruti, terceira filha de Silvio, que assumiu a batuta da empresa no ano passado. Ela vem sendo criticada por insistir em novos programas que fizeram a audiência do canal cair, como o matinal Chega Mais. Um dos seus acertos, em termos de público, foi o Sabadou com Virginia, apresentado por Virginia Fonseca, que tem quase 50 milhões de seguidores no Instagram.
“Daniela quer a juventude, os influenciadores, e está pagando caro, porque a audiência cai”, diz Carlos Alberto. “Mas pelo menos há uma qualidade: ela está tentando. Seria péssimo se continuasse com a política do pai. A troca foi muito rápida, mas necessária. Tinha que dar uma sacudida. Daniela tem que pegar essa Virginia e botar a cara para bater. Se está dando três pontos de audiência, depois vai dar cinco ou seis.”
Apesar disso, Carlos Alberto desconfia dos cruzamentos entre TV e influenciadores digitais. “Cada macaco no seu lugar. A televisão está precisando de caras novas, mas uma coisa é você estar na sua casa, dançando, brincando, dizendo ‘eu uso esse produto’. Outra coisa é segurar duas horas de programa.”
Suas críticas se estendem à Globo, que está “indo para um caminho horrível”, ele afirma, ao dar fim à programação de humor do canal após a saída de Marcius Melhem, que era diretor do núcleo de humor. No ano passado, Carlos Alberto disse que Melhem seria uma boa adição ao quadro de funcionários do SBT, mas que não oficializou um convite. “Agora parece que é tudo mentira. Ele vai se livrar de todas essas acusações. Ele foi julgado e condenado por todo mundo, e isso é sacanagem”, diz.
Carlos Alberto não esconde seu desprezo pelo politicamente correto. Ele considera que quem faz humor sai perdendo pelo que chama de imposições exageradas de um grupo minoritário –”e bota minoritário nisso”, reforça.
Por outro lado, abomina piadas de cunho ofensivo com gays e pessoas negras, o que outrora já fora a tônica de vários quadros de “A Praça é Nossa” –que até hoje vez ou outra brinca com estereótipos de gênero, sexualidade e com caricaturas regionais, mas já sem a frequência do passado, com tipos como a Vera Verão, de Jorge Lafond, ou a Velha Surda, de Roni Rios.
A saída do programa, nos últimos anos, de nomes como Maurício Manfrini, o Paulinho Gogó, Moacyr Franco e Matheus Ceará, também foram sinais de uma decaída. “Fazer uma pessoa rir é muito difícil. O humor da ‘Praça’ vai acabar. A Globo, com essa maldita mania de ser radical, está preocupada em mostrar um Brasil triste. Agora só fazem seriados violentos, com estupros. Chega o que a gente vê na rua”, ele diz, pouco antes de a Globo anunciar uma nova diretoria dedicada ao humor.
Mas seu desagrado vai além. Para Carlos Alberto, a maior emissora da América Latina não faz mais bom jornalismo. Apesar disso, o humorista se orgulha ao dizer que foi citado no Jornal Nacional, graças uma homenagem prestada a ele por Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados em 2019. “Eu achava que eu só apareceria no jornal quando morresse”, diz.
Carlos Alberto, que votou em Bolsonaro, é há anos desafeto declarado de Lula, de quem falou mal no programa Roda Viva, da TV Cultura, sugerindo que ele era um candidato inferior por não ter se graduado na faculdade. Hoje ele se arrepende. “Ainda que eu não goste, ele é meu presidente, então vou respeitar.”
O humorista se mudou recentemente para um apartamento em Alphaville. Antes, morava numa casa. Fez isso para não ter que subir e descer escadas –no final do ano passado, caiu dos degraus em seu sítio e bateu a cabeça com força no chão, o que lhe causou um sangramento na cabeça.
“Não tive medo de morrer. Nem na Covid nem na queda. Alguma coisa me dizia que ia acabar em pizza”, diz. “Meu medo era ter um AVC. Essa seria a única coisa que me faria parar de trabalhar. Cara, eu quero viver, não quero ficar no sítio esperando a morte.”
Hoje é difícil ele ir a festas. Pensa bem antes de aceitar convites para programas de TV e evita viajar a trabalho. Gosta mesmo é de ficar em casa com a família. Sua praça é o único compromisso com o qual ele não falha –decora o texto às terças, grava às quartas e edita às quintas, religiosamente.
“Por pior que seja o problema que a gente tem, quando entramos naquele estúdio, baixa um santo e esquecemos. Eu não trabalho lembrando que minha mulher está doente, que meu filho teve um problema ou até que quebraram a minha cortina”, diz, com sua gargalhada inconfundível.