BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O esvaziamento da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, usada como contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial, pôs em risco o amplo pacote do ministro Paulo Guedes (Economia) com medidas de ajuste fiscal e reestruturação do Estado.
Na avaliação de membros do governo federal e especialistas ouvidos pela reportagem, além de a proposta aprovada pelo Congresso ter efeito muito menor do que o esperado, ela pode inviabilizar e deixar na gaveta todo o restante do chamado Plano Mais Brasil.
Era novembro de 2019 quando Guedes apresentou o pacote, considerado ambicioso. O Mais Brasil buscava retirar amarras do Orçamento, extinguir fundos públicos, implementar medidas de ajuste fiscal e mudar as relações entre União, estados e municípios.
Ao ser apresentado, o pacote foi dividido em três PECs: a Emergencial (com gatilhos para conter gastos em caso de crise na União, estados e municípios), a do Pacto Federativo (para dar maior flexibilidade ao Orçamento e aumentar repasses aos entes) e a dos Fundos (que poderia eliminar mais de 200 fundos públicos).
Com uma série de dispositivos para promover arrocho nas contas públicas, o pacote sofreu com resistência de parlamentares e pressão de categorias do serviço público. Com isso, ficou travado no Senado desde a apresentação.
Mais de um ano depois, no início de 2021, Guedes viu uma chance de emplacar as medidas. Em negociação para liberar nova rodada do auxílio emergencial, ele defendeu que a assistência fosse vinculada à aprovação de uma PEC que seria a fusão de pontos dos três textos do Plano Mais Brasil, incluindo um novo protocolo de crise em caso de calamidade.
O acordo foi fechado com as lideranças do Congresso, e os dispositivos foram aglutinados na PEC Emergencial. No entanto, após a formulação do texto, análise no Senado e votação na Câmara, pouco sobrou do plano original de Guedes.
“Se você pegar as três PECs originais, elas foram transformadas em uma proposta mirrada. Elas tiravam carimbos, faziam o que Guedes chamava de desindexação, desobrigação e desvinculação. Mas, se a gente comparar aquilo que ele planejava com o que está acontecendo, é uma taxa de sucesso de menos de 10%, sendo generoso”, disse o diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto.
Projeções da IFI apontam que as medidas de ajuste fiscal para a União só poderão ser acionadas em 2025. Para Salto, a PEC não promove a correção de rumos necessária para as contas públicas.
Levantamento do CLP (Centro de Liderança Pública) estima que só a PEC Emergencial na versão de 2019 geraria redução de gastos primários do governo, em dez anos, de R$ 78 bilhões na União e R$ 75,7 bilhões para estados e municípios.
O texto aprovado pelo Congresso derrubou esse impacto para R$ 7,8 bilhões no governo federal e R$ 12,8 bilhões para os entes.
Isso significa que, em dez anos, a economia potencial da medida para a União corresponde a menos de 20% do valor previsto para ser desembolsado em 2021 com o auxílio.
Na avaliação do gerente de Inteligência Técnica do CLP, Daniel Duque, a PEC foi pensada para ser uma solução sólida de longo prazo, mas acabou muito aquém do propósito original.
“A gente passou de uma PEC que tinha um significado muito mais estrutural, um impacto permanente nas contas do país, para resolver um problema imediato. E ela nem mesmo acaba com o problema, só diminui o tamanho dele.”
Para Duque, o governo precisa voltar a buscar uma solução de longo prazo para as contas públicas. “Muito provavelmente a gente vai ter que começar do zero essa discussão.”
Um membro da equipe econômica diz considerar muito improvável que o Congresso se disponha a retomar a análise dos dispositivos do Mais Brasil que ficaram pelo caminho. O pacote já estava travado no Senado, e a desidratação da PEC Emergencial evidenciou a resistência dos parlamentares.
A avaliação de um componente do Ministério da Economia é que o governo agora deve priorizar outras pautas, como as reformas administrativa, que reestrutura carreiras e salários no serviço público, e tributária e marcos regulatórios para atrair investimentos.
Auxiliares de Guedes dizem que ele teve uma semana traumática. Primeiro, deputados eliminaram do texto o dispositivo que buscava descarimbar recursos de fundos e órgãos.
Depois, sob pressão de servidores, especialmente da segurança pública –estimulados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido)–, os deputados chegaram perto de derrubar a estrutura principal da PEC, o que praticamente enterraria o plano de Guedes.
Para não perder tudo, o ministro aceitou abrir mão de um dos gatilhos de ajuste fiscal e liberou que servidores recebam promoções e progressões inclusive em períodos de emergência e calamidade.
Antes até das votações em plenário, a PEC já havia sido desidratada. Mais de 20 medidas do pacote original de Guedes saíram do texto. Uma delas é a desvinculação de receitas ligadas a fundos e órgãos, o que liberaria verba para o governo usar em outras áreas.
Outro ponto que não avançou previa uma maior liberdade para remanejamento de verbas de saúde e educação. O plano original do Ministério da Economia estabelecia uma fusão dos mínimos constitucionais das duas áreas.
No Senado, o texto chegou a ser adaptado e prever extinção completa desse valor mínimo. Porém, por discordância de parlamentares, o trecho foi eliminado da proposta.
Entre os pontos do plano original que foram afrouxados, está o acionamento de gatilhos para a União quando fosse rompida a regra de ouro, que limita o endividamento do governo. Como a norma já é descumprida atualmente, o acionamento do ajuste fiscal seria imediato.
Na proposta, porém, o parâmetro foi alterado e o gatilho será ativado apenas quando a despesa obrigatória primária passar de 95% da despesa total. Para atingir esse patamar, o governo ainda pode levar de três a quatro anos.
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