Leitos de UTI para Covid-19 em SP podem acabar até a próxima segunda, diz infectologista do centro de contingência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando o estado São Paulo entrar na fase emergencial de restrições para frear a escalada de casos do novo coronavírus, segunda-feira (15), é possível que já não tenha mais leitos de UTI para atender casos de Covid-19.

Para o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP e membro do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo, que assessora a gestão João Doria (PSDB), esse cenário pessimista é o mais provável.

Dados da Secretaria Estadual da Saúde apresentados na sexta-feira (12) mostravam que 49 dos 105 municípios paulistas que têm leitos para Covid-19 já alcançaram taxa de 100% de ocupação de leitos de UTI.

A nova fase emergencial, que inclui suspender campeonatos esportivos e vetar cultos, além de fechar escolas estaduais, deve vigorar pelo menos até dia 28 de março. Nesta sexta, a prefeitura de São Paulo anunciou duas semanas de suspensão de aulas presenciais na capital, do dia 17 ao dia 30.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Marcos Boulos defendeu que as restrições deveriam permanecer por pelo menos 30 dias para terem efeito, o que ocorrerá apenas se houver a colaboração da população e fiscalização severa por parte das polícias civil e militar com a vigilância sanitária.

“Nós [do centro de contingência] tínhamos proposto uma fase mais rígida, em que você dificulta a circulação durante o dia. Para sair precisa ter algum motivo, como ir à farmácia ou comprar comida. É uma proposta que pode ser discutida no futuro”, afirma.

PERGUNTA – As novas restrições serão eficazes para diminuir casos, mortes e o número de internações por Covid-19?

MARCOS BOULOS – As medidas completaram o que havíamos pedido ao governador. É necessário fechar templos religiosos, praias, escolas. Neste momento, precisamos ter fiscalização para que as pessoas cumpram as regras.

P. – O que levou o estado de São Paulo à beira do colapso?

MB – Nós sabíamos que a pandemia ia chegar. Gradativamente, o governo aumentou a estrutura sanitária e, quando a pandemia chegou, os hospitais estavam relativamente organizados. Faltou naquele tempo uma vigilância mais forte e sorologia para acompanhar os casos. O pico veio em maio [de 2020] e começou a reduzir lentamente.
Na época das eleições, já se previa que poderia ter um aumento. Os dados não foram suficientemente mostrados à população, até por medo da campanha eleitoral. As pessoas poderiam achar que perderiam a eleição. Quando vieram os dados, após a eleição, percebemos que estavam aumentando os casos de Covid.
Em dezembro, começamos a advertir para a necessidade de fazer um arrocho em relação à circulação. Simultaneamente, as pessoas começaram a ficar mais cheias do isolamento social e voltaram para a rua, mas sem máscara. Perto das festas de fim de ano, alertamos o governo para a possibilidade de um impacto grande. Em janeiro explodiu.
Soma-se a isso a chegada de uma variante. Alertamos no centro de contingência que eram necessárias medidas mais rígidas, já que as pessoas não estavam entendendo o que estava acontecendo. Estávamos esperando um caos no atendimento para UTI em meados de fevereiro com pessoas mais jovens.
Estamos a três ou quatro dias de acabar todos os leitos no estado e as pessoas vão morrer por falta de assistência médica [a entrevista foi concedida na quinta-feira, dia 11].

P. – Chegamos ao ponto de escolher quem salvar?

MB – Em vários lugares do estado e no Brasil, já. Aqui na capital, em alguns hospitais, também. A gente brinca de Deus. Esse aqui tem alguma chance, vamos colocar na UTI; esse não tem, deixa fora da UTI. Isso leva não só a uma questão ética muito grave como a depressão profunda no pessoal da saúde que faz o atendimento.

P. – São Paulo teria condições de evitar a pandemia?

MB – Não. Poderíamos ter evitado a sobrecarga do sistema de saúde com medidas mais rígidas de prevenção de saúde, que deveriam ser centralizadas. Não pode cada um fazer o que quer.
Nos países que mais se rebelaram contra isso, que foram exatamente os negacionistas EUA e Brasil, a situação ficou crítica. Os EUA lideraram até duas semanas todos os índices de um mal gestor, e [tinham] mortalidade maior, e o Brasil os passou agora. Os EUA começaram a vacinar muito e já refletiu na queda de casos e mortes.

P. – Lockdown é a melhor opção em termos de saúde?

MB – Seria, mas para lockdown [fechamento total das atividades, permitindo a circulação apenas para tarefas urgentes, como comprar comida e remédios ou ir ao hospital] você precisa do Exército na rua para evitar a circulação, e o presidente já disse que não usaria o Exército para as pessoas pararem de trabalhar.

P. – O governador realmente ouviu a ciência, conforme ele sempre fez questão de afirmar?

MB – Nos últimos meses não. Ele falava isso até o ano passado: ouvir a ciência para preservar vidas. Nós falamos várias vezes da necessidade de impor medidas restritivas que não foram acatadas pelo governo.
O discurso do ano passado estava correto quando ele [Doria] estava levando em consideração os dados que a gente passava. Depois, acho que ele foi extremamente pressionado pelo setor de restaurantes, bares e outras coisas não acatou os dados da ciência para as restrições de circulação no tempo adequado. Por isso hoje estamos assim.

P. – As pessoas perderam o medo da pandemia ou a credibilidade na política estadual?

MB – Acho que as duas coisas. Inicialmente, a restrição foi muito melhor do que agora, e as pessoas começaram a usar máscaras, que foi fundamental para ter uma queda quando achávamos que não teríamos. Mas perderam o medo e se acostumaram. Esse é o novo normal.
Não consigo entender como, mas é isso o que acontece, principalmente entre os mais jovens, correndo o risco de pegar a doença. Obviamente, ficou uma briga política também. As pessoas que mais prestigiam o atual presidente da República vão para a rua fazer manifestação para abrir o comércio e sem máscara.
As pessoas acham que é política. Não é Doria versus Bolsonaro. Não é um contra o outro. Estamos trabalhando a nossa vida, a saúde da população brasileira. Não tem a ver com política.

P. – Ouvi de um pesquisador que a pandemia começará a melhorar, com queda de mortes e de casos, em meados de maio. O sr. concorda?

MB – Provavelmente, no final de abril haverá um nível de vacinados que possa fazer com que a curva comece a decrescer. Mais de 80% das mortes são da faixa etária acima de 60 anos. Com essa faixa protegida, diminui a mortalidade entre os idosos. A nossa esperança é a vacinação para atingir a imunidade de rebanho, o que deve acontecer provavelmente no final do ano.

P. – Como o sr. avalia o desempenho do estado de São Paulo na vacinação contra a Covid-19?

MB – Muito lento, mas dentro do que imaginávamos porque não tem vacina. Infelizmente, essa liderança deveria ser do governo federal, mas ele não investiu nisso.

P. – Há previsão para vacinar faixas etárias mais jovens?

MB – Acho que os mais jovens começarão a ser vacinados em meados de junho. Provavelmente, lá para dezembro e janeiro, teremos vacinado quase todos, menos as crianças. Elas precisarão esperar mais tempo, porque os estudos para validar as vacinas deste público estão sendo realizados.

P. – Quando estaremos seguros para a volta às aulas de forma presencial?

MB – Assim que vacinarmos os professores.

 

Marcos Boulos, 75 anos, infectologista.
É professor sênior da Faculdade de Medicina da USP e membro do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo.
Coordenou o Centro de Controle de Doenças da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo.
Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Sorocaba, possui mestrado, doutorado e livre docência em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade de São Paulo.Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Infectologia e medicina tropical.

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