MATHEUS ROCHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2013, Aguinaldo Silva decidiu fazer de Alexandre Nero o protagonista de “Império”, trama que estrearia no ano seguinte no horário das 21h da TV Globo. A emissora estranhou a decisão. Sem papéis de destaque até ali, o ator era uma escolha improvável para estrelar a atração de maior prestígio da teledramaturgia nacional.
“A Globo era contra, mas entendo perfeitamente. A empresa quer nomes em que possa confiar”, diz Nero. Nem ele estava confiante. “Joguei minha expectativa lá embaixo. Tinha certeza de que ia dar errado”.
A previsão, porém, não se confirmou. A novela foi um sucesso, ganhou um Emmy Internacional e catapultou a carreira do curitibano. De ator secundário, passou a ser um dos medalhões da TV Globo. Agora, ele é protagonista da novela “No Rancho Fundo”, que estreia nesta segunda-feira (15), na faixa das 18h.
A exemplo do comendador José Alfredo, de “Império”, o novo personagem de Nero tem origem nordestina. Mas as semelhanças param por aí.
Enquanto o comendador era um anti-herói de moral duvidosa, Seu Tico Leonel é um sujeito ingênuo e inocente. Ele leva uma rotina simples ao lado dos filhos e da mulher, Zefa Leonel –personagem de Andrea Beltrão.
A vida do casal muda radicalmente após a matriarca encontrar uma gruta cheia de pedras preciosas nas terras da família. O achado, porém, não traz só riqueza, mas também muita cobiça e inveja. É esse o pano de fundo da trama, ambientada em uma cidade fictícia do Nordeste.
No entanto, antes mesmo da estreia, a ambientação da obra foi alvo de críticas nas redes sociais. No começo deste mês, internautas disseram que uma imagem de divulgação com diversos personagens reproduzia a ideia de miséria e sujeira, o que poderia reforçar estereótipos contra nordestinos.
Para Nero, algumas das acusações beiram o preconceito a pessoas pobres. “Quer dizer que uma pessoa que mexe com a terra é suja? Isso para mim é assustador. Não podemos falar de pobre na televisão?”, questiona.
“Existem militâncias seríssimas que estão sendo prejudicadas por essa militância de sofá e do engajamento nas redes sociais para ganhar grana com publicidade.”
O ator Alexandre Nero, que estrela a novela ‘No Rancho Fundo’ João Cotta/Divulgação Ator Alexandre Nero ** Autor da trama, Mario Teixeira explica que a imagem criticada não havia sido aprovada pela direção artística do folhetim, mas acabou vazando nas redes sociais. Para ele, as chamadas que estão no ar são um vislumbre muito mais fiel da novela do que a fotografia posta em xeque.
“Agora, o telespectador percebe uma obra vibrante. Eu mostro um sertão absolutamente diferente do que as pessoas estão acostumadas a ver, com uma natureza exuberante.”
As críticas não são os únicos desafios de “No Rancho Fundo”. A novela estreia com a tarefa de recuperar a audiência da faixa das 18h após o fracasso de “Elas por Elas”, o título menos visto da história desse horário. Curiosamente, foi um sucesso comercial para a emissora, com 15 contratos publicitários fechados em sua trajetória, e 26 ações dentro de seu conteúdo.
“A gente tem que olhar para frente. A nossa novela representa os anseios do Brasil e acho que isso vai atrair atenção das pessoas.”
Se para o autor a audiência é o desafio, para Nero a missão é dar vida a um personagem diferente de tudo o que ele fez na TV. Seu Tico Leonel tem trejeitos espalhafatosos e grandiloquentes, num flerte com o teatro farsesco, gênero que satiriza situações cotidianas.
É um trabalho que resgata um estilo ligado à palhaçaria e ao teatro de rua com o qual Nero se habituou no começo da carreira. Ele deu os primeiros passos no mundo das artes como músico, tocando em bares e restaurantes de Curitiba no começo dos anos 1990.
“Eu trabalhei dos 20 aos 38 anos na noite. Eu chegava em casa praticamente todos os dias às 5h da manhã. Isso acabou com a minha saúde”, diz o ator. “Era um universo de drogas, bebidas e bagunça.”
Nero diz que o comportamento autodestrutivo foi agravado pela perda dos pais, que morreram de câncer quando ele era adolescente. “Isso acaba com a vida emocional de qualquer um. Eu virei um selvagem. Para mim, era matar ou morrer.”
Em meio à rotina noturna, ele sentiu necessidade de estudar teatro para entender como se posicionar no palco e dialogar com o público. Mas sem dinheiro para pagar cursos. “Eu estudei na escola da sobrevivência. Tudo começou de maneira instintiva.”
Foi justamente o teatro que o levou para a televisão. Em 2006, quando estava em cartaz com a peça “Os Leões”, um produtor de elenco da TV Globo gostou de seu desempenho e o convidou para atuar no programa “Casos e Acasos”, que estreou no fim de 2007.
No ano seguinte, interpretou o verdureiro Vanderlei na novela “A Favorita”, de João Emanuel Carneiro. “Esse papel era uma ponta, mas o pessoal gostou e fui ficando.”
A popularidade do personagem garantiu sua permanência na emissora, na qual recebeu papéis secundários em novelas como “Paraíso”, de 2009 e “Fina Estampa”, de 2011. Na trama, ele encarnou Baltazar, um homem violento que batia na mulher, interpretada por Dira Paes, mas que fazia uma espécie de dupla cômica com Crô, o mordomo gay interpretado por Marcelo Serrado.
A obra marcou o início da parceria com Aguinaldo Silva, que se repetiria em “Império”. “Foi aí que tudo mudou. A Globo começou a confiar em mim para papeis maiores.”
Um ano depois de “Império”, mais um protagonista para o currículo. Em “A Regra do Jogo”, foi Romero Rômulo, ex-vereador que usa uma ONG de fachada para lavar dinheiro do crime organizado.
“Era um texto maravilhoso do João [Emanuel Carneiro], que construiu uma personagem dúbio. Ele era um mau-caráter, mas tinha doçura e carisma. Acho que isso ressoou nas pessoas.” Por esse papel, ele foi indicado ao Emmy Internacional de melhor ator.
Nero conquistou a consagração aos 45 anos em uma indústria na qual atores ganham destaque bem antes, a exemplo de Chay Suede, Reynaldo Gianecchini e Cauã Reymond. Apesar disso, ele diz que a maturidade não o protegeu das armadilhas do estrelato.
“A fama é terrível e engana do mesmo jeito”, diz ele. “Às vezes, me pergunto se conquistá-la mais cedo não seria melhor. Você vai se acostumando e faz todas as cagadas antes e melhora depois. Mas eu fiz merda como qualquer pessoa.”
Um desses erros, diz Nero, é achar que o êxtase da fama deve ser constante. “Quando não tem, você fala: ‘Mas cadê?’ A gente esquece que a vida não é isso. Ela é chata mesmo. Não tem êxtase.”
Pai de dois filhos pequenos, ele diz que a paternidade o ajuda a lidar melhor com a notoriedade.
“Às 7h, tem alguém lá chorando. Nessas horas, a vida real aparece”, diz o ator, acrescentando que decidiu parar de usar drogas depois que os filhos nasceram. “Eles me deram horizonte e me salvaram. Agora eu não quero morrer. Agora eu não morro mais.”
NO RANCHO FUNDO
Quando: Estreia nesta segunda (15), às 18h, na Globo
Autoria: Mário Teixeira
Elenco: Alexandre Nero, Andréa Beltrão, Luisa Arraes
Produção: Brasil, 2024
Direção: Allan Fiterman