NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Após mais de cinco semanas sem falar em público, o ex-presidente americano Donald Trump deu a entender neste domingo (28) que tentará voltar à Presidência em 2024. “Eles [democratas] perderam a Casa Branca em novembro. E quem sabe, quem sabe, posso decidir derrotá-los pela terceira vez”, afirmou em discurso de encerramento da reunião da Cpac, sigla em inglês para Conferência de Ação Política Conservadora, em Orlando, na Flórida.
O republicano não fazia um discurso público desde que partiu da Casa Branca para seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, em 20 de janeiro –um hiato desse não ocorria havia cinco anos.
Lotado, o evento no Hotel Hyatt tem o potencial de se tornar mais um comício disseminador do coronavírus, com o público aglomerado e desafiando a ordem da prefeitura de Orlando de usar máscaras.
Banido das redes sociais e faminto por atenção, Trump fez um discurso em que, ao seu estilo, violou a etiqueta habitual entre ex-presidentes de não criticar antecessores.
Ele acusou Joe Biden de ser um desastre para o país na gestão da economia e no cancelamento de políticas que ele implementou, em imigração e política externa. “Fomos de América primeiro para América por último,” disse Trump.
Segundo ele, Biden criou uma crise de imigração ilegal, especialmente de menores desacompanhados, acusando-o de ter suspendido medidas de segurança na fronteira.
Os ataques a Biden foram tão prolongados que Trump parecia ainda estar em campanha. Disse que todo o plano de combate à pandemia do coronavírus é dele.
Ridicularizou o antecessor por dizer que não tinha encontrado estoque de vacinas ao chegar à Casa Branca. Mas disse que Biden não deveria estar mentindo porque não tem ideia do que está acontecendo, numa sugestão de que Biden é senil –o democrata tem 78 anos, e Trump, 74.
Assim como fazia em comícios, Trump falou em detalhes sobre assuntos tangentes que nada têm a ver com a conferência de conservadores, como mulheres no esporte. Repetiu mais de uma vez a falsa narrativa de que venceu a eleição de novembro passado. O público respondeu, aos gritos: “Você ganhou! Você ganhou!”.
Embora não tenha se declarado candidato oficialmente, Trump deixou claro que não abre mão de reivindicar a liderança do Partido Republicano.
O ex-presidente destacou a importância de recuperar as maiorias na Câmara e no Senado, nas eleições legislativas de novembro de 2022. E mandou recados a membros dissidentes do partido, como a deputada Liz Cheney, terceira no comando do partido na Câmara, que votou pelo impeachment e não foi convidada a falar na Cpac.
Mas foi Trump que empurrou os republicanos para derrotas expressivas, perdendo a maioria da Câmara em 2018 e a do Senado em janeiro, com o segundo turno para duas vagas de senadores na Geórgia –além de ele mesmo não conseguir se reeleger.
O ex-presidente prometeu que vai fazer campanha por candidatos em 2022, mas está usando a próxima eleição para se vingar de desafetos, como Cheney, apoiando candidaturas em desafio à reeleição dos que votaram a favor de seu impeachment.
As pesquisas confirmam que a devoção a Trump entre republicanos é semelhante à reservada ao líder de um culto. O problema é que o partido, cuja composição demográfica já estava encolhendo ao longo dos anos, sofreu perdas com a invasão do Capitólio, insuflada justamente por Trump, em 6 de janeiro.
Pelo menos 140 mil eleitores se desligaram da legenda nas semanas seguintes ao episódio, um número que pode ser maior, porque 19 dos 50 estados americanos não identificam a filiação partidária de eleitores registrados.
Trump acumulou uma fortuna de mais de US$ 250 milhões arrecadando fundos para desafiar a apuração da eleição presidencial. Na conferência da Cpac, eleitores entrevistados por vários canais se disseram convictos de que Joe Biden não venceu, e Trump seria o presidente legítimo.
Ninguém duvida de que a desculpa usada por Trump para continuar pedindo dinheiro a pequenos doadores, depois da eleição, não passa de um golpe ardiloso para ele usar os fundos em proveito próprio, como viagens, despesas jurídicas e outros gastos permitidos pela porosa legislação eleitoral americana.
A questão é se ele vai, mais uma vez, voltar atrás de promessas de financiar campanhas de candidatos que vier a apoiar nos estados. A campanha de reeleição torrou quase US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) até agosto de 2020 e seguiu mancando, obrigada a cancelar anúncios de TV e outras despesas até a derrota.
O primeiro presidente a tratar a Casa Branca como um cenário de reality show extraiu o máximo da aparição na TV.
Fez questão de atrasar o início do discurso, marcado para o meio da tarde em Orlando, e aumentar o suspense sobre sua chegada. Falou por 1h30. Assim, invadiu o horário de telejornais da TV aberta e teve valioso espaço grátis nos canais de cabo de direita. As redes CNN e MSNBC não transmitiram o discurso ao vivo.
O plano de Trump é continuar sugando o oxigênio no território republicano e impedir a emergência de candidatos à eleição de 2024 –a fila de aspirantes é longa.
No momento, até o senador Mitch McConnell, o mais poderoso republicano em Washington que detesta o presidente, evita cutucar a onça com a vara curta. Apesar de ter acusado Trump de ser responsável pela violência no Capitólio, disse que apoiaria Donald Trump, se ele fosse o candidato do partido em 2024.
O que ele não disse é se apoia a candidatura do homem que enfrenta duas investigações criminais, além de várias outras civis, e terá 78 anos em 2024.
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