SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar da pandemia do novo coronavírus, que provocou uma retração do Produto Interno Bruto global de 4,4% em 2020, os gastos militares do mundo seguiram em alta no ano passado.
Segundo dados divulgados pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla inglesa), de Londres, a cada dia de 2020 o planeta despendeu quase o equivalente ao orçamento anual do Bolsa Família.
Para ficar numa comparação pandêmica, em dez dias o mundo gastou o equivalente ao auxílio emergencial do governo federal. Em números, foram US$ 1,83 trilhão (R$ 9,9 trilhões) gastos ao longo do ano passado no setor de defesa, ou R$ 27 bilhões ao dia na cotação desta quinta.
O aumento real em relação a 2019 foi de 3,9%, semelhante aos 4% registrados no ano anterior sobre 2018. É uma tendência que acompanhou os anos de Donald Trump no poder, de 2017 até 20 de janeiro passado.
Em 2020, aponta a publicação do IISS “Balanço Militar”, a bíblia do assunto no mundo, a rivalidade entre Washington e Pequim puxou o dispêndio com armamentos no planeta. Sob o democrata Joe Biden, nada indica que haverá mudança nessa rota até aqui.
A pandemia, disse em entrevista coletiva virtual o diretor do IISS, John Chipman, pode ter o condão de “ensinar lições sobre cooperação” para Forças Armadas, mas a competição seguiu acirrada.
Com efeito, Estados Unidos e China, as principais rivais no mundo de hoje, responderam por dois terços dos novos gastos com defesa no ano passado.
Os EUA são a potência militar dominante no mundo pós-Guerra Fria. Seu orçamento de US$ 738 bilhões (R$ 4 trilhões hoje) no setor responde por 40,3% do gasto total do planeta e é equivalente ao dos 14 próximos países no ranking do IISS.
Já o resto do mundo responde por cerca de US$ 340 bilhões do bolo total. O aumento nominal de despesas militares de 2019 para 2020 foi de US$ 77,2 bilhões (R$ 417 bilhões), e os americanos responderam por 52% dele.
Isso reflete a reorientação sob Trump dos EUA para a chamada competição entre grandes nações, um conceito que mira a China, rival estratégica e potência ascendente, a ainda poderosa militarmente Rússia e, de quebra, pedras no sapato como Irã e Coreia do Norte.
Os números do IISS dizem respeito ao gasto efetivo dos países. Os americanos elevaram a participação da defesa no seu PIB (Produto Interno Bruto) de 3,19% em 2019 para 3,55% no ano passado.
Os chineses viram crescer seu gasto com defesa 5,2% em 2020, ante 5,9% no período anterior. No cômputo global, foi uma subida de 11,9%. Proporcionalmente a seu PIB, é uma fatia menor do que a americana: 1,28%, semelhante ao dado de 2019.
Pequim tem o segundo maior orçamento militar do planeta, de US$ 193,3 bilhões (R$ 1,04 trilhão). Enorme, mas quase quatro vezes menor do que o de Washington, colocando em perspectiva o fosso que separa os dois países, que passaram 2020 se provocando em locais como mar do Sul da China.
O IISS lista detalhadamente os arsenais pelo mundo, e deu especial atenção ao crescimento da Marinha chinesa, alvo de declarações alarmistas por parte do Pentágono.
“Em tonelagem deslocada, os EUA têm o dobro do tamanho da China. Mas houve avanços grandes, em poucos anos Pequim saiu do nada para 55 corvetas de patrulhamento de águas territoriais”, disse o analista naval Nick Childs no evento de lançamento do “Balanço Militar 2021”.
A sempre escrutinada Rússia de Valdimir Putin viu uma retomada nos seus gastos durante a pandemia também, com um aumento de 3,8% no dispêndio –com foco na modernização de suas três Forças e no desenvolvimento de novas armas nucleares.
Em relação ao PIB, a Rússia gasta 4,14% dele com defesa, mas sua economia é infinitamente menor do que a americana ou a chinesa, as maiores do mundo.
Nominalmente, Moscou caiu da quarta para a quinta posição no ranking do IISS, com US$ 60,6 bilhões (R$ 327 bilhões) de despesa bélica. Foi ultrapassada pela Índia, terceiro lugar com US$ 64,1 bilhões (R$ 346 bilhões) e Reino Unido (US$ 61,5 bilhões, ou R$ 332 bilhões), mas estão todos em um patamar semelhante.
Já a terceira colocada no ano passado, a Arábia Saudita, despencou para o nono lugar -de US$ 78,4 bilhões (R$ 423 bilhões) para US$ 48,5 bilhões (R$ 262 bilhões).
Os países da Otan, a aliança militar ocidental, seguiram a tendência de aumento de gastos provocada pelas ameaças de desengajamento feitas por Trump ao longo de seu mandato. Em 2020, 7 de seus 29 membros atingiram mais do que os 2% do PIB com defesa, a meta para 2024 do clube.
Em 2014, quando a Rússia apavorou líderes ocidentais ao tomar para si a Crimeia da Ucrânia, em resposta à queda do governo pró-Moscou em Kiev, a média era de 1,25% do PIB no bloco. Agora, é de 1,64%.
O Azerbaijão, que derrotou a Armênia numa disputa para retomar áreas ocupadas nos anos 1990 pelo vizinho no único dos 33 conflitos listados pelo IISS que teve uma evolução dramática em 2020, viu seu dispêndio crescer 3,8% para 5,4% do PIB -os perdedores mantiveram o alto gasto proporcional de 4,8%.
Como sempre, países de regiões conflituosas lideram com folga o ranking quando a régua é a proporção bélica ante o PIB. O sultanato de Omã, no Oriente Médio, surge à frente com 12%, seguido pelo Afeganistão, com 10,6%, e o Líbano, com 10,5%.
O Brasil também teve uma leve queda na tabela, ainda que nominalmente em reais tenha tido um aumento no seu gasto. Foi do 11º para o 13º lugar, gastando com defesa US$ 22,1 bilhões (R$ 119 bilhões), algo acima de 1,5% do seu PIB.
Aqui, a desvalorização do dólar pesou na conta, embora a posição em si seja ilusória: a despeito de avanços pontuais, como no caso dos programas do caça Gripen e do cargueiro KC-390, 80% do gasto militar brasileiro é com pessoal, incluindo aposentadorias e pensões.
Ainda assim, na avaliação do IISS, “o Brasil é a mais capaz potência da sua região”, seguido pela Colômbia. Os gastos militares brasileiros respondem por 42% do total da América Latina e Caribe, apesar das distorções conhecidas.
Enquanto o gasto de defesa brasileiro por habitante foi de R$ 561 em 2020, nas contas do IISS, os colombianos empregaram R$ 990. Cabe ressaltar que o país vizinho ainda tem focos de uma guerra civil que durou quase seis décadas.
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