GIULIANA MIRANDA(FOLHAPRESS) – Em sua escola pública no centro de Lisboa, a brasileira Valentina, 7, tem como coleguinhas as francesas Amelia e Chloe, o angolano Policarpo, o indiano Dhanraj, além de portugueses, nepaleses, cabo-verdianos e outras crianças também do Brasil.
As salas de aula portuguesas, repletas de alunos de diferentes nacionalidades, refletem o aumento da presença de estrangeiros no país. Em 2020, Portugal atingiu um novo recorde histórico: são 707.848 imigrantes residentes regularizados, o equivalente a 7% da população de cerca de 10 milhões de habitantes.
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Houve alta de 19,9% em relação a 2019, que já havia sido de crescimento expressivo.
Os números, ainda provisórios, foram divulgados pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para o jornal Público.
A distribuição por nacionalidades ainda não é pública, mas, como em anos anteriores, os brasileiros representam a maior parcela dos estrangeiros residentes. Em 2019, a comunidade brasileira oficialmente residente aumentou 43% em relação ao ano anterior.
Na avaliação do demógrafo Pedro Góis, professor da Universidade de Coimbra, o número real de estrangeiros é ainda maior, uma vez que as estatísticas oficiais deixam de contabilizar os imigrantes que obtêm a nacionalidade portuguesa.
“O número será superior a esses 7%. Nesta altura, será muito provavelmente já entre 9% e 10% do total da população”, avalia.
Embora os números mostrem um aumento de imigrantes mesmo no contexto da Covid-19, Góis ressalta que eles correspondem a um cenário pré-pandemia, uma vez que fazem referência a pedidos normalmente apresentados muitos meses antes de sua concretização pelo órgão migratório.
O fechamento das fronteiras para quem não tem residência legal ou cidadania de um país-membro da União Europeia, e o posterior cancelamento de todos os voos comerciais entre Portugal e Brasil -em vigor desde 29 de janeiro- muito provavelmente devem interromper este ciclo de crescimento, avalia o pesquisador.
Um dos países mais envelhecidos e com as mais baixas taxas de natalidade da Europa, Portugal depende cada vez mais dos imigrantes, que já representam 8,5% das contribuições para a Segurança Social.
Foi também devido à imigração que Portugal não viu sua população encolher na última década. Além dos milhares de portugueses que todos os anos ainda emigram, sobretudo para o Reino Unido e para outros membros da UE, a quantidade de mortes segue superando os nascimentos no país nos últimos 11 anos.
Além da segurança, do acesso universal à saúde pública e do bom sistema educacional, Portugal tem como grande atrativo a relativa facilidade de legalização -e posterior aquisição de nacionalidade- mesmo para quem permanece de maneira irregular.
“Eu acho que isso é o principal atrativo: não permanecer como clandestino durante longos anos. De haver aqui a possibilidade de uma legalização”, avalia Pedro Góis, da Universidade de Coimbra.
Independentemente da regularização, os imigrantes muitas vezes enfrentam dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho, sobretudo em posições mais qualificadas.
Um relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho), publicado em dezembro de 2020, coloca Portugal como o sexto país com maior fosso salarial entre estrangeiros e cidadãos nacionais.
Os números, relativos a 2019, mostram uma diferença de 28,9% na remuneração entre imigrantes e portugueses pelo mesmo tipo de trabalho. A diferença aumentou em relação a 2014 e 2015, quando era de 25,4%.
Presidente da Casa do Brasil, ONG que auxilia imigrantes em Portugal, Cyntia de Paula considera que, embora os imigrantes brasileiros atualmente cheguem mais bem informados sobre a realidade do país, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho ainda surpreende muita gente após a mudança.
“A gente percebe que não há, quando as pessoas vêm do Brasil para cá, um conhecimento claro sobre a dificuldade de entrar no mercado qualificado em Portugal. Há uma ideia de que vai ser mais fácil do que realmente é. Seja para ter acesso às ordens profissionais [entidades que regulam as profissões], seja para ver o seu currículo reconhecido para entrar em vagas qualificadas”, completa.
Ele reconhece que há exceções, como profissões ligadas à área de tecnologia de informação, mas diz que muitos recém-chegados ainda têm “uma ideia pouco clara do mercado de trabalho português”.
Episódios de discriminação e de xenofobia muitas vezes também pegam de surpresa os novos imigrantes, segundo Cyntia.
“Há essa questão psicossocial, da vivência do preconceito e da xenofobia. A gente sente que há uma descoberta só quando estão aqui, são coisa pouco conhecidas quando elas ainda estão no Brasil. É xenofobia do dia a dia, infelizmente, das questões discriminatórias que permeiam a vida dos brasileiros quando estão em Portugal, sobretudo das mulheres brasileiras”, avalia ela, que diz ter tido um aumento da percepção do discurso de ódio contra migrantes e minorias étnico-raciais durante a pandemia.
Em outubro de 2020, várias escolas e universidades da região de Lisboa foram pichadas com mensagens racistas e xenofóbicas, incluindo inscrições como “zucas [brasucas], voltem para as favelas”.
Mesmo antes da pandemia, queixas de discriminação vinham em alta no país. Segundo dados da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, as queixas de xenofobia feitas por brasileiros mais do que duplicaram entre 2017 e 2019.
A discriminação pela nacionalidade brasileira motivou 17% das queixas recebidas pelo órgão em 2019.
Uma boa notícia, na opinião da presidente da ONG, é o conhecimento maior sobre os direitos dos migrantes, que têm cada vez mais se mobilizado e participado de eventos e discussões sobre a política no país.
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