76% das brasileiras têm corpo retangular, e indústria de moda aguarda novo padrão de roupas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A prefeitura de uma cidade do interior paulista publicou um edital para a compra de uniformes para alunos da rede municipal de ensino anos atrás. O texto não tinha muitas informações sobre o tamanho das peças – elas deveriam atender alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental. Quando a encomenda chegou, um problema técnico ocorreu com os uniformes destinados aos mais velhos: as peças que vestiriam os estudantes do 9º ano, por exemplo, cabiam nas crianças do 6º ano. A prefeitura se negou a pagar pelos uniformes e o assunto foi parar na Justiça.

“Como a ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas] já tinha, desde 2009, uma norma com indicação de tamanhos de vestuário para o público infantil, a confecção foi obrigada a fornecer novos uniformes para todo o final da grade, sem custo adicional à prefeitura”, diz Maria Adelina Pereira, gestora do Comitê Brasileiro de Normalização de Têxteis e do Vestuário da ABNT. “Se o mesmo problema tivesse ocorrido com o público feminino, não haveria essa obrigação, porque o Brasil ainda não tem uma tabela referencial de tamanhos do corpo da mulher”, afirma.

Desde 2012, o Brasil está no limbo quando se trata de medidas para definir o tamanho das roupas das mulheres. Naquele ano, foi revogada a norma anterior, de 1995, a NBR 13377, que tratava de maneira genérica de medidas referenciais do corpo humano. Em 2009, foi criada a NBR 15800, com medidas infantis, e em 2012 foi lançada a NBR 16060, de medidas referenciais masculinas.

“A ideia era, junto com a norma masculina, publicar a feminina, a NBR 16933, mas não houve consenso entre os integrantes do comitê”, diz Maria Adelina. Participam do grupo grandes redes varejistas, confecções que fornecem às grandes redes, instituições de ensino da moda, modelistas, o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e o Senai Cetiqt (Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Serviço Nacional da Indústria).

“Houve discussões homéricas sobre vários temas”, diz ela. No foco das conversas acaloradas, questões que vão desde a maneira como se toma a medida do busto (se com ou sem sutiã, inclusive) até a definição de qual é a linha cintura – se em cima do umbigo ou na parte mais afinada do tronco. “Precisamos convidar até anatomista para participar das discussões”, diz Maria Adelina.

Em todos estes anos sem referências de tamanho, as confecções e as varejistas de moda precisaram ir a campo para pesquisar por conta própria quanto medem as mulheres, o seu principal público. Na Renner, por exemplo, elas representam 70% dos consumidores -compram para elas e para a família. A varejista acaba de investir em tecnologia 3D para criar uma série de 14 manequins projetados a partir do escaneamento corporal digital, com variações de tamanhos que vão do infantil até o plus size.

O problema é que, como cada rede ou confecção procurou criar referências próprias, muitas vinham se recusando a abrir mão dos seus padrões para adotar uma referência nacional. Daí a demora de quase 10 anos na discussão de uma tabela referencial para o vestuário feminino.

No último dia 8 de outubro, a ABNT encerrou a segunda consulta pública sobre a NBR 16933. Se não houver novas contestações, a entidade espera publicar finalmente a norma até dezembro.

“A norma será publicada com a sugestão de se indicar na etiqueta medidas em centímetros”, diz Maria Adelina. Mais do que o tamanho P, M ou G, ou indicações como 40, 42, 44, interessa à consumidora saber quantos centímetros aquela peça tem de quadril, por exemplo, para que ela se sinta mais segura na hora de provar, diz.

Na opinião de Maria Adelina, a iniciativa tem a ver com a autoestima da consumidora. “Se a vendedora da loja lhe oferece uma peça GG, ela fica depressiva e passa três dias à base de alface e gelo”, brinca. “Mas se a peça especificar o tamanho do quadril ou busto, por exemplo, ela vai saber que se trata da melhor opção ao seu tipo físico”.

A gestora da ABNT lembra que muitas confecções e varejistas já passaram a informar detalhes das medidas das peças nos seus sites de venda online. Isso para evitar a logística reversa – a devolução da peça que não caiu bem, operação que significa um incômodo para a consumidora e um custo adicional para a varejista, que precisa bancar o retorno do produto ao estoque.

PADRÃO DA BRASILEIRA

O comitê da ABNT escolheu dois dos cinco principais biotipos femininos no Brasil para basear a norma referencial. São eles: “retângulo” e “colher”, identificados na pesquisa antropométrica da população brasileira, a Size BR, conduzida entre 2006 e 2015 pelo Senai Cetiqt.

No Brasil, 76% das mulheres têm o biotipo retângulo: quando as circunferências do tórax e do quadril são aproximadamente iguais, com uma linha de cintura pouco marcada. “É o caso da modelo Gisele Bündchen, uma mulher magra com este biotipo”, afirma Patrícia Dinis, coordenadora de serviços de consultoria de confecção do Senai Cetiqt.

O outro biotipo escolhido foi o da “colher”: quando o quadril é maior que o tórax e sua lateral é bem marcada e arredondada. “É o que mais se assemelha ao popular ‘violão’, embora esse biotipo represente apenas 8% das brasileiras”, diz Patrícia.

O objetivo da Size BR era identificar tipos físicos e suas respectivas medidas para auxiliar a indústria da moda na modelagem das roupas. Foram pesquisadas 10 mil pessoas, de todas as regiões do país, que resultou na indicação dos principais biotipos entre a população feminina e a masculina. O trabalho serviu como base para as confecções montarem suas grades de tamanhos comerciais.

No caso dos homens, foram identificados três biotipos principais: retângulo, atlético e especial (para gordos). Nas mulheres, a pesquisa identificou oito biotipos, que acabaram sendo agrupados em cinco principais: além do retângulo e da colher, o ampulheta (a mulher aparenta ser proporcional no tórax e no quadril e tem uma cintura bem marcada), o triângulo (quadril é bem maior que o tórax, sem uma cintura marcada) e o triângulo invertido (quando a circunferência do tórax é maior que a do quadril e a mulher não tem uma cintura marcada).

“As pessoas não são robôs, têm diferenças morfológicas”, diz Patrícia. “Não é possível se basear apenas em cintura, busto e quadril, como era a antiga norma da ABNT de 1995, que foi revogada”.

Desde 1995, a população engordou e cresceu, lembra Maria Adelina. “Era muito difícil um calçadista oferecer os tamanhos 42 e 43, por exemplo”, afirma. “Hoje, a grade normal de calçados vai até o 45”.

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